quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Nunca houve homem como o Heleno.


           Cinema e Futebol trilharam caminhos parecidos no Brasil. Ambos despertaram por aqui no final do século 19, pelas mãos de estrangeiros e logo caíram no gosto popular. Desde cedo formaram intensa parceria. Talvez por não conseguir registrar fidedignamente as singularidades de uma partida, as telonas jamais despertaram o clamor do público. União esmerada; arte pela arte. Ligados na paixão, heterogêneos na junção. Vários filmes com essa temática já foram produzidos, nenhum deles, porém, alcançou sucesso ao tentar fomentar o nosso encanto. Todavia, essa realidade vem mudando. Produções mais bem elaboradas passaram a incitar uma certa atenção dos aficionados. Romeu e Julieta (Bruno Barreto), O ano em que meus pais saíram de férias (Cao Hamburger), Boleiros (Ugo Giorgetti), Pelé Eterno (Anibal Massaini Neto). Exemplos que comprovam uma clara evolução e que serviram de base para a obra prima do gênero: Heleno.
Sexo, drogas e Futebol. Personagem marcado pelos exageros e pela desgraça. Uma típica tragédia grega em solo tupiniquim. Nostálgicos da bola dirão que nunca existiu homem como Heleno. Falemos da loucura...
Flagelo que não se vê. Altera os fios invisíveis do destino; fogo eterno que arde sem perceber. O ser humano e suas fraquezas. Somos frágeis tal qual uma flor, e tão indecifráveis como um enigma. Não possuímos a capacidade de compreender os mistérios da vastidão infinita vigente em nosso cérebro. Somos vitimados pelos desígnios da nossa essência; acometidos por males de nossa própria mente. Prisioneiros de nós mesmos!
Genialidade e insanidade são separadas por uma linha tênue. No decorrer da história, grandes artistas foram detratados pelo desatino, mas redimiram-se com a maravilha de suas obras. É possível que a loucura represente o estágio mais avançado da inteligência. Estão intimamente entrelaçados. Platão, em suas fantasias, ousou relacionar a criatividade a um desvairo divino. Filosofia, ciência, arte... Todos os segmentos dispuseram de gênios atormentados. No Futebol, tivemos alguns representantes, nenhum deles, no entanto, encantaria as platéias como fazia o primeiro dos românticos. Voltemos algumas décadas no tempo...
Areia, sol, mar... Acima de nós o céu tranqüilo e azul. O mais bonito cartão postal do mundo. Sob as luzes do tradicional Copacabana Palace surgiria o mais controverso jogador brasileiro. Heleno era a contradição personificada: bom e mal; alegre e triste. Aclamado e sozinho. A multidão o atraía, os aplausos lhe namoravam, mas era na solidão dos delírios onde buscava refúgio. Era um lobo solitário, assim como a estrela do clube que o mitificou
O seu semblante causava um sobressalto aos nossos olhos. Era belo como o resplandecer do dia, e melancólico como o obscurecer da noite. Por fora, era pujante e colossal como o mais valoroso dos guerreiros. Por dentro, guardava a monotonia do infortúnio. O príncipe maldito.
Nos gramados foi inigualável! Era célere como um raio, e forte semelhantemente a um Touro. Fora das quatro linhas, era um sedutor e amante inveterado. Artífice dos campos, poeta boêmio. Fez dos primórdios do Futebol a sua época, o seu período helênico. Viveu 39 anos de vida de forma intensa e vadia. Pioneiro dos incompreendidos.



Foste o mais romanesco dos homens, Heleno. Morador da fronteira entre o sonho e a realidade; um viajante onírico. Em teu olhos rutilava uma certa voluptuosidade indefinível; um prazer desesperado por tudo. Seu talento, transtornos e manias. Vede seus devaneios.
Glorificastes igualmente a um herói da mitologia. Talvez seus feitos compararam-se aos de Hercules, que depois de cumprir seus doze trabalhos foi punido com a loucura. Entretanto, após a sua morte, obteve a ascensão ao olimpo, onde recebeu as boas-vindas dos deuses. Tornas-te um dos soberanos divinos dos gramados.
Longa foi a tua agonia, Heleno. Cruel, minuciosa e repisada. Homem de luta, tinha fogo no sangue, mas sua coragem foi devorada pela doença que o consumia. No sanatório, prostrado, não ouvia nada além do eco dos seus pensamentos, aqueles mesmos companheiros de outrora. Finalmente as asas da morte sobrevoaram sobre sua cabeça.
Aos construtores sobrevivem os criadores, e a reconstrução sobrevive a vida. O esplendor se sobrepõe ao fracasso, e o regozijo supera o pranto. Morreu ensandecido; enalteceu-se na eternidade. Essa voz do passado, fanhosa e saudosa homenageia o maior de todos os paradoxos. Nunca houve homem como o Heleno!

Parabéns ao grande ator Rodrigo Santoro e ao diretor José Henrique Fonseca pela criação do melhor filme nacional do ano.

Por :Otavio Camilo

2 comentários:

  1. Se hoje em dia jogadores não sabem como administrar sua fama, imagine isso 70 anos atrás, onde não existia empresários para controlá-los, não existia exame antidoping, não existiam "paparazzi" para descobrir suas aventuras e colocá-las nos jornais denegrindo sua imagem. Heleno "pintou" e "bordou" em sua época, pois era livre... Era o que chamamos hoje de "playboy”, era de família rica, estudou em faculdade, fazia parte da alta sociedade carioca. Morreu jovem sim, seus exageros o enlouqueceu e o fez enfermo, mas Heleno viveu como poucos... Viveu intensamente!

    ResponderExcluir
  2. concordo com o colega Danilo!! Mas foi mto bem feita sua homenagem ao grande Heleno, caro Otávio!! Mais uma vez num texto mto bem escrito vc flw bem sobre o que ele foi e representou pra sua época, realmente marcou não só por jogar demais, mas por ter sido talvez o primeiro "bad-boy" do futebol brasileiro!! Ah, e não podia deixar de fazer uma referência ao filme, não tive o prazer de ver mas todos falam que o Santoro se entregou de corpo e alma ao papel, e ficou mto bom, dpois quero conferir, abraços!!

    ResponderExcluir