sábado, 5 de janeiro de 2013

A vida é um sopro


              Há um mês morria um dos maiores talentos que já andaram sobre este solo de mãe gentil. Um indivíduo que fez da modéstia o seu principal atributo; foi contemplado por uma vida longa, mas preferiu descrevê-la pela brevidade. O poeta das curvas. Oscar Niemeyer.
              Que espetáculo! No entanto, é um espetáculo apenas. Como te alcançaríamos, oh natureza, em tuas cenas? Literatos, poetas e trovadores já tentaram decifrar os seus desígnios, mas permaneceste inalterável. Os inóspitos seres que, em ti habitam, não estão aptos a compreenderem as resoluções de admiráveis leis. És a fonte da vida e esplendidamente sustentais o céu e a terra. Ésquilo, o famoso dramaturgo grego e autor da fábula Prometeu Acorrentado, já revelava em suas trágicas linhas a miséria humana; o medo, as angústias e, principalmente, as nossas limitações. Somente os gênios detêm a vocação de atiçar o fogo, que as divindades, do alto de seus propósitos totalitários, atreveram-se a nos negar. Que os gênios, então, possam ser coroados; que o pó dos seus feitos permaneça eternizado.
               No Rio de Janeiro, o Sambódromo. Em Brasília, a encantadora capital. Referências da alegria, da sedução e do primor. A engenhosidade exposta a céu aberto. Poderia ficar longas horas citando verdadeiros colossos produzidos por um artista, que possuía mãos que eram como se fossem varas de condão. Aquele nobre tupiniquim era detentor de uma arte infinita e delicada; o seu toque era igualmente sublime ao do orgulhoso rei Midas: tudo que tocava, ouro virava. Universidades, igrejas, palácios suntuosos e edifícios que se perdem por entre as nuvens. A sua imaginação multiplicava os zeros; com um mísero grão de areia ele poderia construir um mundo inteiro. E assim o fez!  
                 Os seres humanos e as suas frívolas denominações. Qualificaram-te como arquiteto, mas eu, mero aspirante a escritor, me permitirei a ousadia e te elevarei do seu honrado ofício; te chamarei de sonhador. E o que seria da nossa inculta existência sem eles? São como as gaivotas, sobrevoando as águas dos oceanos em busca das aspirações infinitas. Dominam a habilidade de despirem-se de fantasias e das asas de folhas agrestes, e pairam sobre todos os sítios de grandeza humana.
                 O Niemeyer descobriu na natureza as forças portentosas, e elas postavam-se diante dele, sem segredos, claras e submissas. Cada linha traçada era como a concepção de um novo mundo; estupefatos ficávamos ao apreciarmos um cenário inédito e sublime. Mais de 500 obras foram criadas, e todas elas delineadas pelo esmero do erotismo, como se exaltassem os contornos sensuais de uma bela mulher.
                 Primeiro ele foi o aluno disciplinado, admirado pela magia das formas e fascinado pela elegância das curvas perfeitas. Foi nomeado para projetar um sonho e o transformou numa epopeia. De um solo árido e inabitável erigiu um monumento. Naquele deserto, tão vasto, tão extenso, não havia vida o bastante para algumas pessoas que ansiavam  por um palmo de chão para sobreviverem. Ergueu uma cidade no meio do cerrado, linda e imponente, como uma donzela que recostada sobre um monte de relva, banhasse os pés na corrente límpida de um rio. A natureza o agraciou com as suas mais finas ideias. Tornou-se o criador.
                 Os prestígios da excelência falaram ao seu espírito. Os detratores aviltaram o seu trabalho, ao afirmarem que a beleza era o seu essencial objetivo. Quão tolo pode ser o escárnio dos reles! O que pediríamos mais de uma obra de arte, senão o toque mágico e indelével da graciosidade?  Os mais belos atos gerados pelos seus devaneios valiam muito menos do que os olhos que as miravam.
                 Os grandes homens são aqueles que preparam os prazeres simples e perenes paras as gerações futuras; distinguem-se na criação daquilo que é útil e agradável. Somos simplesmente sombras de qualquer coisa incerta; um sopro esquecido pelo vento. 104 anos ele durou. Benevolente seria o destino, se acaso lhe concedesse a eternidade. O Niemeyer jamais será esquecido, e nós não seremos vítimas das recordações pungentes; a doce, dolorida e inafastável saudade. A sua memória ficará gravada em cada um dos seus monumentos. Para nos lembrarmos de sua ode à nação, basta admirarmos o seu talento ou nos deleitarmos sobre as páginas extraordinárias da história, em que a terra e os homens se confundem. Agora, certamente, depois de tantas tarefas realizadas e elevado por um concerto de louvores, o saudoso mestre entrará no largo campo luminoso, onde tudo se converte em beleza, harmonia e sossego. Há um sentimento que vive, apesar da morte, apesar do tempo, e que também poderá ser tão fugaz como a palavra que caracterizou a longa vida do mais brilhante dos artífices: a visão poética da imaginação. Aos construtores sobrevivem os criadores, e a reconstrução sobrevive à vida. O sopro da imortalidade.
               
Otávio Camilo

Um comentário:

  1. Ler seus textos permiti a validação e o aprimoramento da leitura pelo leitor.

    Parabéns!!

    ResponderExcluir