Há um mês
morria um dos maiores talentos que já andaram sobre este solo de mãe gentil. Um
indivíduo que fez da modéstia o seu principal atributo; foi contemplado por uma
vida longa, mas preferiu descrevê-la pela brevidade. O poeta das curvas. Oscar
Niemeyer.
Que espetáculo!
No entanto, é um espetáculo apenas. Como te alcançaríamos, oh natureza, em tuas
cenas? Literatos, poetas e trovadores já tentaram decifrar os seus desígnios,
mas permaneceste inalterável. Os inóspitos
seres que, em ti habitam, não estão aptos a compreenderem as resoluções de admiráveis
leis. És a fonte da vida e esplendidamente sustentais o céu e a terra. Ésquilo,
o famoso dramaturgo grego e autor da fábula Prometeu Acorrentado, já revelava
em suas trágicas linhas a miséria humana; o medo, as angústias e,
principalmente, as nossas limitações. Somente os gênios detêm a vocação de
atiçar o fogo, que as divindades, do alto de seus propósitos totalitários,
atreveram-se a nos negar. Que os gênios, então, possam ser coroados; que o pó
dos seus feitos permaneça eternizado.
No Rio
de Janeiro, o Sambódromo. Em Brasília, a encantadora capital. Referências da
alegria, da sedução e do primor. A engenhosidade exposta a céu aberto. Poderia ficar
longas horas citando verdadeiros colossos produzidos por um artista, que possuía
mãos que eram como se fossem varas de condão. Aquele nobre tupiniquim era
detentor de uma arte infinita e delicada; o seu toque era igualmente sublime ao
do orgulhoso rei Midas: tudo que tocava, ouro virava. Universidades, igrejas,
palácios suntuosos e edifícios que se perdem por entre as nuvens. A sua imaginação
multiplicava os zeros; com um mísero grão de areia ele poderia construir um
mundo inteiro. E assim o fez!
Os
seres humanos e as suas frívolas denominações. Qualificaram-te como arquiteto,
mas eu, mero aspirante a escritor, me permitirei a ousadia e te elevarei do seu
honrado ofício; te chamarei de sonhador. E o que seria da nossa inculta existência
sem eles? São como as gaivotas, sobrevoando as águas dos oceanos em busca das aspirações
infinitas. Dominam a habilidade de despirem-se de fantasias e das asas de
folhas agrestes, e pairam sobre todos os sítios de grandeza humana.
O
Niemeyer descobriu na natureza as forças portentosas, e elas postavam-se diante
dele, sem segredos, claras e submissas. Cada linha traçada era como a concepção
de um novo mundo; estupefatos ficávamos ao apreciarmos um cenário inédito e
sublime. Mais de 500 obras foram
criadas, e todas elas delineadas pelo esmero do erotismo, como se
exaltassem os contornos sensuais de uma bela mulher.
Primeiro
ele foi o aluno disciplinado, admirado pela magia das formas e fascinado pela elegância
das curvas perfeitas. Foi nomeado para projetar um sonho e o transformou numa
epopeia. De um solo árido e inabitável erigiu um monumento. Naquele
deserto, tão vasto, tão extenso, não havia vida o bastante para algumas pessoas
que ansiavam por um palmo de chão para
sobreviverem. Ergueu uma cidade no meio do cerrado, linda e imponente, como
uma donzela que recostada sobre um monte de relva, banhasse os pés na corrente
límpida de um rio. A natureza o agraciou com as suas mais finas ideias. Tornou-se
o criador.
Os prestígios
da excelência falaram ao seu espírito. Os detratores aviltaram o seu trabalho, ao
afirmarem que a beleza era o seu essencial objetivo. Quão tolo pode ser o
escárnio dos reles! O que pediríamos mais de uma obra de arte, senão o toque
mágico e indelével da graciosidade? Os mais
belos atos gerados pelos seus devaneios valiam muito menos do que os olhos que
as miravam.
Os
grandes homens são aqueles que preparam os prazeres simples e perenes paras as gerações
futuras; distinguem-se na criação daquilo que é útil e agradável. Somos simplesmente
sombras de qualquer coisa incerta; um sopro esquecido pelo vento. 104 anos ele
durou. Benevolente seria o destino, se acaso lhe concedesse a eternidade. O Niemeyer jamais será esquecido, e nós não seremos vítimas das recordações
pungentes; a doce, dolorida e inafastável saudade. A sua memória ficará gravada em cada um dos seus monumentos. Para nos lembrarmos de sua ode à nação,
basta admirarmos o seu talento ou nos deleitarmos sobre as páginas extraordinárias
da história, em que a terra e os homens se confundem. Agora, certamente, depois
de tantas tarefas realizadas e elevado por um concerto de louvores, o saudoso mestre entrará
no largo campo luminoso, onde tudo se converte em beleza, harmonia e sossego.
Há um sentimento que vive, apesar da morte, apesar do tempo, e que também
poderá ser tão fugaz como a palavra que caracterizou a longa vida do mais
brilhante dos artífices: a visão poética da imaginação. Aos
construtores sobrevivem os criadores, e a reconstrução sobrevive à vida.
O sopro da imortalidade.
Otávio Camilo
Ler seus textos permiti a validação e o aprimoramento da leitura pelo leitor.
ResponderExcluirParabéns!!