Os
museus e suas lembranças; nasceram junto da própria humanidade e com o nosso
indelével costume da preservação. Em sua essência, guardam fatos esquecidos, estradas percorridas e tudo aquilo que deveria ter sido. As palavras
espalham-se pelo chão, as memórias convertem-se em fantasias por entre seus
quadros e telas. Na quietude do seu silêncio, contemplamos razoes inextinguíveis,
objetos preciosos ou simplesmente afetivos. Um passeio nostálgico pela história
que se perdeu aos nossos sentidos. Espaço onde impera a melancolia, e que nos
proporciona uma viagem por um mundo que se foi. Embarcarei nessa jornada...
Eis-nos chegados aos
confins do tempo, ao caminho da formosa plaga, à imensidão outrora maculada.
Prostrado em meus devaneios, me vi como um andarilho errante, vagando sobre a
brandura de alva areia. Era por um desses fins de tarde em que o manto azul do
firmamento é pálido e nostálgico. De lá, surpreendi-me com o rasante vôo de uma
branca gaivota, que ressoava um tétrico canto e trazia em seu bico
um ramo de cipreste. Ela atravessava o espaço como ligeira folha verde levada
pela brisa comedida. O símbolo dos senhores das matas cortava o vento. Eu era
apenas um contemplador casual e efêmero de um pedaço oculto de reino.
Progredi...
Nas bandas do ocidente, o sol já havia se atufado nos mares
como um brigue em chamas. As aves emudeceram, as plantas perderam o viço. Toda
a natureza cessou diante daquele vasto incêndio de crepúsculo, de onde brotou o
diamante e a obra prima esculpida em pedra e sangue, as duas mais brilhantes
expansões do poder criador. O astro rei escondia-se pela colossal indiferença
das águas, tocando com sua luz de ouro os topos abaulados das dunas e a amurada
dos navios, que em airosa terra aportavam. Recostados à borda estavam nômades espíritos,
que de pátrias longínquas vinham colonizar. Seus rijos braços içavam as vergas,
ostentavam armas, e dos seus rúbidos olhos refletiam o grito tenebroso da
morte. Da superfície eterna do oceano desembarcavam soldados e infantes.
O sonho me incidia como uma visão remota, em um ponto obscuro
do horizonte, envolto em brumas sorumbáticas e estribilhos de canhões. Naquele
céu pardo de uma lúgubre noite surgiram três estrelas reais que avivaram o azul
e indicaram-me o local onde sua irmã encontrava-se decaída. Crepita no ar, ou
farfalha nas palmas dos coqueiros, o clamor bélico das atalaias. Com as pupilas
lânguidas, continuei a seguir
aquele clarão indefinido que rasgava as trevas.
Longe, ainda mais longe... Os fantásticos cimos revelaram-me
a magnificência e angustiosas verdades enterradas sob o concreto. Meus olhos,
que fitavam as sombras fugitivas, agora admiravam um baluarte de alvenaria
suspenso entre o mar e o empíreo por uma ponta de rochedo. Uma fortaleza que
unia as forças portentosas da natureza, e reverberava como fulgurante esmeralda
aos louros raios das ondas. As margens ali eram vermelhas e tempestuosas,
perpassando ventania de aflição pela serena capela em arco. De dentro das irregulares muralhas ouve-se o
brado cruciante da batalha.
O virente solo daquele lugar estava impregnado pelas auras
das nossas virtudes primitivas, que ecoavam ao som beligerante. Andejando pelos
pavimentos, presente, passado e futuro pareciam desvanecer, e minha alma
abismava-se aniquilada no meio das vozes lamuriosas dos eternos vultos dos
heróis que sucumbiram encarcerados. Aquele templo magnífico, que elevava-se
altaneiro sobre o grande rio, fora inundado pelos esplendores da beleza tal
qual um castelo, mas carregado pelos terríveis odores do funéreo chão de uma
masmorra. Os filhos de diversos povos preparavam-se para o combate. A guerra
entre bárbaros.
A disparada flecha rompeu o espaço
e o rouco som da inúbia repercutiu pela praia. Os invasores do velho mundo
estremeceram ao reconhecerem o estrídulo de cólera do valente Poti, senhor do
Potengi, berço daquele templo. Sua selvagem fronte via os guerreiros brancos
entre nuvens escarlates. O cavo búzio dos tapuias estruge pelos pavimentos. Os indígenas
recebem o ímpeto dos inimigos com suas lanças e nas pontas eriçadas de suas
flechas, que eles despedem dos arcos aos molhos. Logo após soa a pocema, restringe-se
a área e a luta trava-se face a face. Prosseguiu o combate que culminaria na
morte dos bravos. Quando o tacape e a infantaria se encontram a peleja
estremece, como um só combatente, até as entranhas. Homens em desespero rojavam
pelo chão. Os mortos saltavam da feral fortaleza.
Tanto foi o sangue, que o majestoso rio dos camarões desistiu
do seu ritmo; suas beiradas pranteavam gotas rubras. O descomunal tritão delirava,
ao rejeitar vermelhas espumas. Tanto foi o sangue, que até mesmo a lua
levantou-se indecorosa, ao vagar como sonâmbula por defuntas auréolas. Nessa
lancinante hora, nem os rostos fraternos se conheciam, lado a lado. Os corações
libertaram-se dos densos uniformes, as almas formariam colunas, mas não ergueriam
uma nova estrela. Os torvos sobreviventes abandonaram o forte; com pouco,
retumbava em partida um berro altivo de além-mar e os vultos desapareceram na escuridão
do ocaso. Era o fim da guerra, assim como do meu delírio. Minha imaginação se
convertera em ruínas.
Museu Câmara Cascudo, Museu de Arte Sacra, Museu Café Filho,
Museu da Imprensa Eloy de Sousa e Palácio da Cultura. Toda a história do Rio Grande
do Norte abandonada pelo Poder Público.
Otávio
Camilo
Gente ele escreve muito......PERFEITO Otávio Camilo, Parabénssss
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