quinta-feira, 18 de abril de 2013

O filhote da Ditadura e o brado libertário


O patriotismo é o último refúgio dos canalhas

             Não descreverei aqui um romance nem um conto fantástico, tentarei  apenas resgatar a poesia das ruínas de um tempo que não pode ser esquecido, em que as gerações que pereceram falam com o futuro pela voz do silêncio.



                A noite é brava pela imensa pugna! Ladram na escuridão das cidades as tropas e as cavalarias. Essa é a hora dos poemas fúnebres, das epopeias e das trágicas recordações de outrora. A indecorosa brisa do passado ruge pelas sepulcrais avenidas de uma nação. Esse é o instante em que os sonhos e as ilusões perdidas vagueiam pelos soturnos becos que ninguém ousa conhecer. O momento do pesar e da luta, em que o condenado defronta o seu verdugo. Nessa terra onde imperou o absolutismo dos generais, não há desespero nem gritos; ouve-se somente os murmúrios em segredo, o estrugir da artilharia e a onerosa marcha dos soldados. O sangue dos mártires brasileiros ainda transborda pelas alamedas de uma nova era; o brado angustiado dos heróis ressoa através da ventania insana, nos convidando para a batalha que não é finda. Reconhecemos essas faces tétricas e censuradoras...
                 Desde a derrocada dos anos de chumbo, o Brasil passou a ser regido sob a vaga luz de uma tímida Democracia. A partir dos desígnios de tal sistema, passaríamos a viver de acordo com os preceitos sagrados da liberdade; poderíamos ver, ouvir e até emitir nossas opiniões. No entanto, as opressões que pareciam mortas e enterradas pelo cavo abismo das décadas renasceram sob a forma de velhos algozes. Não somos aviltados por severas reprimendas ou humilhantes penitências, mas estamos forçados a conviver em sociedade com os filhotes daquele período maculado pelo terror. Sentado no maléfico trono da mais exaltada das nossas paixões está a infausta descendência da Ditadura militar. Ao ver aquele personagem, assoberbado pela derradeira surpresa de uma velhice descomposta e declamando para milhões de aficionados com uma voz vibrante e patriótica, voltaram-me de tropel todas as cruciantes imagens que as preambulares linhas haviam nos sugerido. Vede a sina de um torturado e a exposição aterradora do seu delator...

                 A data era 25 de outubro de 1975; quase 30 anos que se foram, mas que para a dona história parece ter sido ontem. Nos porões de um prédio pálido e tenebroso encontra-se um homem sentado a uma cadeira. Sua boca estava amordaçada, seus olhos vendados, suas mãos presas e o seu corpo vergava de dor, recebendo as incessantes pancadas de torturadores fardados. O seu semblante já não transluzia o menor vislumbre de esperança; respirava com dificuldade, e das suas pupilas caía a furto uma lágrima taciturna que lhe queimava a face, punindo-o com a impotência e a humilhação. Aquele pobre ser compungido, que devorou todo o pranto em silêncio, era atormentado por um padecer extenso e cruel, quando por muitas vezes a dignidade sente remorsos. Entre chibatadas e choques elétricos sucumbiram as aspirações libertárias de um comunista. Seria a ideologia política a causa de tamanha agonia? É claro que não! A morte de um homem que ansiava por igualdade fora determinada mediante as acusações de um arrogante indivíduo, que se escondia sob sombras melancólicas.

                   “É preciso mais do que nunca uma providência contra esses comedores de fígado de criancinhas, a fim de que a tranquilidade volte a reinar não só nesta Casa, mas principalmente, nos lares paulistanos e brasileiros”.

                   Sobe à tribuna da casa do povo o orador por trás da muda e impassível máscara da abstração. Um arauto do despotismo, que reveste sua existência com um verniz misterioso e macabro. A plateia prostrava-se silente, alguns comovidos, outros estupefatos. Todos ficaram inebriados com os seus gestos, passos e expressões de indignação. Por vezes ele deixava transparecer um sorriso grosseiro, sorrateiro e frívolo, condensando e transmitindo aos lânguidos espectadores a sua nefasta ideologia. Tais palavras, pronunciadas com uma eloquência destrutiva e mordaz, dispersaram-se pelo ar como maviosa melodia aos ouvidos cruéis do autoritarismo.
                  Talvez muitos não saibam, mas o atual mandatário do futebol brasileiro, o senhor José Maria Marin, foi deputado estadual da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido que ofereceu sustentação política ao regime totalitário. Através das suas demagogias patrióticas, várias pessoas que lutavam dignamente contra a tirania foram entregues à morte. Entre as vítimas da retórica fatal do cartola-mor da CBF estava o diretor de Jornalismo da tv Cultura, Vladimir Herzog. O herdeiro do comando de Ricardo Teixeira, aquele mesmo que fugiu covardemente do país, era um fiel auxiliar que fazia ecoar as lamúrias das masmorras da Ditadura militar. Os lúgubres calabouços do DOPS apresentavam-se como o destino daqueles que eram perseguidos e difamados pelos vocábulos de um falso nacionalismo.
                   Reclusos e abatidos naquela câmara lastimosa, Vladimir Herzog e outros abnegados combatentes não falharam aos seus propósitos. Seus rostos feridos e vozes estranguladas pelo martírio não poderiam fazê-los calar. Os seus sussurros espalharam-se pelos rumores daquela noite, e os ideais que eles pregavam passaram a ser seguidos como cânones, até que encontramos aquele devaneio chamado Democracia.  
                  O sol do novo mundo não poderá cobrir criatura mais renegada que tu, Marin! Que o seu vergonhoso reinado não seja duradouro, como interminável foi à agonia que provocaste. A imprensa séria, a família Herzog e todo o povo brasileiro exige a sua saída do poder.

Otávio Camilo

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