sábado, 29 de junho de 2013

O despertar de um gigante

Uma sociedade que lê, se educa e se informa tende a se tornar cada vez mais exigente.

                A mente humana é capaz de tudo, porque o universo está dentro dela. O passado que lacera e um futuro nebuloso marcham conosco por uma estrada larga, cruciante, sem campos serenos ou ventos jubilosos. O que havia ali, afinal? Revolução ou mera selvageria? Por que subitamente uma plebe convulsa saiu às ruas para reivindicar? Podemos ver o espetáculo, porém dificilmente poderemos entender o que ele realmente significa. Possivelmente estejamos diante de uma nova conflagração social, fato que enobreceria ainda mais a nossa história, feita de lutas pela igualdade e contra as misérias das injustiças. Gemiam as vozes do povo...
               O dia findava tranquilo e com uma luminosidade extraordinária. A água brilhava mansamente; o céu, sem traço de nuvem, era uma imensidão suave de etérea luz. Nos montes, entre o firmamento e as planícies de um gigante adormecido, a alma menos audaciosa seria capaz de acometer um exército inimigo, destroçando-o com a sua intrepidez indignada. Por fim, na sua imperceptível queda de curva, o sol declinou e, de um buraco reluzente, passou a um vermelho embaciado, sem raios e sem calor, como se estivesse a ponto de se extinguir, golpeado de morte pelo toque daquela escuridão que adejava sobre uma massa humana, em sua peregrinação pelos quatro cantos da formosa terra tupiniquim. O impávido colosso desafiava a eternidade, postando-se grandioso em sua perpétua lassidão.
               Da imensa turba evolava-se um vago murmúrio de incontáveis sílabas em uníssonos acordes, aqui, ali, repentinamente salteadas de gritos joviais sofreados. Os indivíduos estadeavam suas cantilenas naquela tertúlia singular, num séquito popular de inconformados, na sua infindável oposição às privações e ao menosprezo do poder. Seguiam a passos ordinários e seguros.
Como em algum quadro de Picasso, espalhavam-se pelas ruas homens e mulheres de todas as feições, cores e idades, amálgamas de diversas raças, parecendo que no sobrevir das perigosas ocasiões e na conformidade das insatisfações lhes predominam, espontâneas, uma lei qualquer de psicologia coletiva, os instintos guerreiros, a incúria dos bárbaros, a inconsciência do perigo e o arremesso fatalista por um nobre ideal. O alto valor das passagens dos transportes públicos, descontentamento com a saúde e a educação ou ainda pela construção de suntuosos elefantes brancos. Que outros significados pode haver? Muitos, certamente.
  O tumulto de ferozes gritos de guerra parava por momentos, quando defrontavam, de perto, as faces nefastas dos antagonistas do movimento, até então esquivos, afeitos à barbárie em nome de equivocadas concepções de ordem e justiça. Os revoltosos, devassando com as vistas as alamedas tortuosas, nem pensavam nos adversários. Reagindo à canícula e com o desalinho natural às marchas, prosseguiam envoltos em ditames pacíficos. No entanto, o curso daquela ordeira chusma é reprimido pelo tinido das armas e pela truculência de vândalos infiltrados, dissidentes da causa. As bombas e as balas de borracha desciam incessantes, por trás, pela frente, de soslaio, pelo centro das linhas da eufórica gente, pontilhando-a de feridos, como uma chuva estridente de raios. Rápidas sombras caíram pelo chão, deslizando em volta da pandemia de caos, abarcando a todos em um abraço fraterno. Um ressoar de cantos formidáveis pendia sobre o solo da mãe gentil.
                 Fitando aquele trecho limpo da terra, os protestos impressionavam como alguma coisa imponente e invencível, tal qual a verdade de um tribunal anônimo e perspicaz, em que cada membro julgaria aqueles a quem escolheram pra lhes representar. Os falsos políticos estariam dispostos à opinião aguda do povaréu.
                Aquelas pessoas continuavam a andar a esmo pelas avenidas inundadas de ódio, como se o movimento colérico da terra lançado no espaço, de repente, se tornasse audível. Através da grande manifestação, mediante os clamores por direitos inalienáveis, o clangor angustiado da pátria atingia os corações de todos os cidadãos... Seu passado sangrento, seus anos de chumbo, seu mistério, sua grandeza, sua realidade espantosa. Todos esses aspectos foram somados ao brado retumbante de milhares de vozes fervorosas no entoar de um hino glorioso, ouvido com o mesmo orgulho nas periferias e nas modernas arenas de futebol.
                Desse mundo desencantado, banhado pelo mar da corrupção e regido pelos dogmas de uma mídia comprometida com os seus próprios interesses, que nos transformam em objetos facilmente manipuláveis, os deuses se exilaram. Todavia, a razão de alguns inconformados conservou uma ideologia que encontrava-se perdida no tempo. E nela acharemos a redenção. O disco luminoso da lua já era visto no alto, caminhando em silêncio na sua viagem enigmática, assim como aqueles debelados que erguem seus braços nus, rígidos, acima da cabeça, num incontrolável desejo de tocar o céu, ou quem sabe numa tentativa de despertar aquele gigante, que dorme em berço esplêndido seu sono profundo. Acorda, Brasil!



Otávio Camilo

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