sexta-feira, 21 de setembro de 2012

As aflições de um craque e de um povo


             Nordeste, Brasil. Enxada na mão, filhos nos braços de uma mãe triste. Homem arando a terra seca. Povo desgracioso, torto, desengonçado. Melancolia gravada em cada olhar, em cada gesto. Mulheres com trouxas de roupa na cabeça, maridos trabalhando com os pés no chão. Essa é a visão de um mundo maculado por infindáveis desgraças. Todas as calamidades humanas habitam em uma única localidade. Seria essa uma verdade incontestável, ou apenas a superficialidade de outros? Esqueçamos os rótulos midiáticos. A nossa terra não é aquela dos poemas calamitosos, nem muito menos se converte na fantasia catastrófica dos sulistas alienados. Um mundo dentro de outro mundo. Em cada canto do planeta há progressos e dificuldades. Região de belezas litorâneas, de riquezas naturais. A diversidade confunde-se com a paisagem. A raiz de nossos valores é a cultura: a música, o Folclore e a Literatura. A inteligência é a nossa maior virtude. Podem perguntar aos grandes da nossa história: José Lins do Rego, José de Alencar, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Gilberto Freyre, Pedro Américo. Nomes que ofereceram ao país o maior tesouro que pode existir: o legado cultural. Aos convivas e aos detratores, saibam que só existe uma verdade na poesia sertaneja: o nordestino é, acima de tudo, um forte. Eis aqui um herói...
 Melancolia e genialidade; combinação que beira a redundância. Uma junção esmerada; mais velha do que Adão e eterna como o céu. O nosso herói em nada remete aqueles das fábulas ou histórias infantis; seres incapazes de sentir medo; detentores dos raios da alegria, e possuidores da sedução máxima do carisma. O nosso paladino foi fadado ao vazio. Tudo que o acalenta, em seguida lhe atormenta. O personagem em questão contrapõe todo o discurso filosófico e de exaltação ao espírito de um povo aflito. Um individuo que oscila entre o cômico e o dramático. O engenho, a angústia e o símbolo de injustiça de uma sociedade. Um típico clamor nordestino estampa o semblante de um paradoxo chamado Rivaldo.
Um jogador que sempre viveu para dentro de si com violência; no seu silêncio desesperado. Acorrentado ao grilhão imaginário da tristeza. E então fez-se a incoerência: Por que expressar em palavras, se podemos dizer com arte? Há coisas que melhor se dizem calando, e o universo de um artista é feito de primor e quietude. Chutes, passes, gols... Cada jogada esculpida pela rubrica da eternidade. O craque, assim como o menino pobre do sertão, foi calado pelas intempéries casuais do destino, o seu talento, porém, é exprimido com sentimentos de regozijo. Aspecto macambúzio; alma de poeta.
Não seria tolo ao afirmar que o Rivaldo foi um injustiçado do Futebol. De fato não foi! Recebeu do esporte tudo aquilo que fez por merecer: títulos, premiações e passagens por clubes tradicionais. A iniquidade da vida desse atleta foi imposta pelo tribunal anônimo e judicial da opinião pública; os olhos fitos do povaréu. Uma vítima de certos hábitos da vida elegante; um mundo do qual nunca pertenceu. Falemos de uma fábula...
Era uma vez um patinho, que nasceu ao pé de um tabuleiro. Fugiu para a cidade grande como qualquer desafortunado da natureza. Chegando lá, foi menosprezado como a um camumbembe. Tratado com desdém pelos companheiros. Pois era bem diferente o patinho, que nada tinha de bonitinho. Era chamado de “patinho feio”. Um dia pensou e decidiu que iria embora. Então fugiu. Terras distantes foi contemplar. Longe de sua casa, enfim, encontrou o reconhecimento que nunca tivera. Infelizmente, a ternura dos poemas não se converte na dura realidade.  
            Nem tudo pode ser revelado com atitudes literárias. Vamos à frieza dos fatos: o Rivaldo é nordestino, avesso a marketing pessoal, arredio as badalações, nunca figurou nas capas de revistas de futilidade, não desfila com modelos, e também não usa cabelos extravagantes. Dedicou-se apenas ao seu oficio básico, e não foi além disso. Sua intimidade permaneceu como deveria. Vivemos sob o regime da frivolidade; amamos os ídolos dos modismos e esquecemos os heróis da humildade. O penta-campeonato é um bom exemplo disso: Copa onde o Rivaldo foi imprescindível, sendo decisivo em todos os jogos. Contudo, os louros não foram dedicados a ele, e sim para o Ronaldo, fenômeno dos campos e da mídia. E essa última é culpada de quase tudo. Estamos diante de um mártir da nossa própria essência.
O fato é que um patinho nunca será um cisne; o garoto que derrama lágrimas sobre um solo árido dificilmente será um notável, e possivelmente até mesmo o Euclides da Cunha estivesse enganado, e o nordestino não seja tão bravo assim. A poesia, a fábula, a trova... Todas elas são parceiras fiéis da injustiça e do desamor. Como a realidade poderia ser diferente? Apesar de toda a sua habilidade, aquele personagem da história não foi digno de honrarias, mas se elevou através da força do seu ideal. A direta ingenuidade dos puros. Somos todos patinhos e vivemos à margem do imenso lago da vaidade e das aparências. Essa é a mensagem do conto e da vida.

POR: Otávio Camilo

Um comentário:

  1. O Brasil é o país da amnésia! Grandes feitos e grandes ídolos são esquecidos e tratados como indigentes com o passar dos tempos, somente recentemente foi aprovada uma lei pela presidente Dilma depois de décadas de humilhação, uma lei que garante a uma bonificação e a aposentadoria para os campeões de 58,62 e 70. Alguns foram ajudados por clubes, outros por familiares e amigos, a maioria morre pobre e miserável, e não puderam usufruir desse benefício.

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