Nordeste, Brasil. Enxada na mão,
filhos nos braços de uma mãe triste. Homem arando a terra seca. Povo desgracioso,
torto, desengonçado. Melancolia gravada em cada olhar, em cada gesto.
Mulheres com trouxas de roupa na cabeça, maridos trabalhando com os pés no chão.
Essa é a visão de um mundo maculado por infindáveis desgraças. Todas as
calamidades humanas habitam em uma única localidade. Seria essa uma verdade incontestável,
ou apenas a superficialidade de outros? Esqueçamos os rótulos midiáticos. A nossa
terra não é aquela dos poemas calamitosos, nem muito menos se converte na
fantasia catastrófica dos sulistas alienados. Um mundo dentro de outro mundo. Em
cada canto do planeta há progressos e dificuldades. Região de belezas litorâneas,
de riquezas naturais. A diversidade confunde-se com a paisagem. A raiz de
nossos valores é a cultura: a música, o Folclore e a Literatura. A inteligência
é a nossa maior virtude. Podem perguntar aos grandes da nossa história: José
Lins do Rego, José de Alencar, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos, Jorge
Amado, Gilberto Freyre, Pedro Américo. Nomes que ofereceram ao país o maior
tesouro que pode existir: o legado cultural. Aos convivas e aos detratores,
saibam que só existe uma verdade na poesia sertaneja: o nordestino é, acima de
tudo, um forte. Eis aqui um herói...
Melancolia e genialidade; combinação que beira a redundância.
Uma junção esmerada; mais velha do que Adão e eterna como o céu. O nosso herói
em nada remete aqueles das fábulas ou histórias infantis; seres incapazes de
sentir medo; detentores dos raios da alegria, e possuidores da sedução máxima do
carisma. O nosso paladino foi fadado ao vazio. Tudo que o acalenta, em seguida
lhe atormenta. O personagem em questão contrapõe todo o discurso filosófico e
de exaltação ao espírito de um povo aflito. Um individuo que oscila entre o cômico e o
dramático. O engenho, a angústia e o símbolo de injustiça de uma sociedade. Um típico
clamor nordestino estampa o semblante de um paradoxo chamado Rivaldo.
Um jogador que sempre viveu para dentro de si com violência;
no seu silêncio desesperado. Acorrentado ao grilhão imaginário da tristeza. E então
fez-se a incoerência: Por que expressar em palavras, se podemos dizer com arte?
Há coisas que melhor se dizem calando, e o universo de um artista é feito de
primor e quietude. Chutes, passes, gols... Cada jogada esculpida pela rubrica
da eternidade. O craque, assim como o menino pobre do sertão, foi calado pelas intempéries
casuais do destino, o seu talento, porém, é exprimido com sentimentos de
regozijo. Aspecto macambúzio; alma de poeta.
Não seria tolo ao afirmar que o Rivaldo foi um injustiçado do
Futebol. De fato não foi! Recebeu do esporte tudo aquilo que fez por merecer:
títulos, premiações e passagens por clubes tradicionais. A iniquidade da vida
desse atleta foi imposta pelo tribunal anônimo e judicial da opinião pública;
os olhos fitos do povaréu. Uma vítima de certos hábitos da vida elegante; um
mundo do qual nunca pertenceu. Falemos de uma fábula...
Era uma vez um patinho, que nasceu ao pé de um tabuleiro. Fugiu
para a cidade grande como qualquer desafortunado da natureza. Chegando lá, foi
menosprezado como a um camumbembe. Tratado com desdém pelos companheiros. Pois era
bem diferente o patinho, que nada tinha de bonitinho. Era chamado de “patinho
feio”. Um dia pensou e decidiu que iria embora. Então fugiu. Terras distantes
foi contemplar. Longe de sua casa, enfim, encontrou o reconhecimento que nunca
tivera. Infelizmente, a ternura dos poemas não se converte na dura realidade.
Nem tudo
pode ser revelado com atitudes literárias. Vamos à frieza dos fatos: o Rivaldo
é nordestino, avesso a marketing pessoal, arredio as badalações, nunca figurou
nas capas de revistas de futilidade, não desfila com modelos, e também não usa
cabelos extravagantes. Dedicou-se apenas ao seu oficio básico, e não foi além
disso. Sua intimidade permaneceu como deveria. Vivemos sob o regime da
frivolidade; amamos os ídolos dos modismos e esquecemos os heróis da humildade.
O penta-campeonato é um bom exemplo disso: Copa onde o Rivaldo foi imprescindível,
sendo decisivo em todos os jogos. Contudo, os louros não foram dedicados a ele,
e sim para o Ronaldo, fenômeno dos campos e da mídia. E essa última é culpada
de quase tudo. Estamos diante de um mártir da nossa própria essência.
O fato é que um patinho nunca será um cisne; o garoto que
derrama lágrimas sobre um solo árido dificilmente será um notável, e
possivelmente até mesmo o Euclides da Cunha estivesse enganado, e o nordestino não
seja tão bravo assim. A poesia, a fábula, a trova... Todas elas são parceiras
fiéis da injustiça e do desamor. Como a realidade poderia ser diferente? Apesar
de toda a sua habilidade, aquele personagem da história não foi digno de
honrarias, mas se elevou através da força do seu ideal. A direta ingenuidade
dos puros. Somos todos patinhos e vivemos à margem do imenso lago da vaidade e
das aparências. Essa é a mensagem do conto e da vida.
POR: Otávio
Camilo
O Brasil é o país da amnésia! Grandes feitos e grandes ídolos são esquecidos e tratados como indigentes com o passar dos tempos, somente recentemente foi aprovada uma lei pela presidente Dilma depois de décadas de humilhação, uma lei que garante a uma bonificação e a aposentadoria para os campeões de 58,62 e 70. Alguns foram ajudados por clubes, outros por familiares e amigos, a maioria morre pobre e miserável, e não puderam usufruir desse benefício.
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