segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O craque e a saudade


               O ser humano e a dádiva dos seus sentimentos. Algumas coisas são eternas como as pedras fincadas no fundo da terra. Perpétua como é a mais maléfica das emoções: a saudade. E que palavra é essa? Sensação invisível e nefasta da qual todos os seres são consumidos, mas só nós conseguimos conjugá-la. Companheira sádica do abatimento. No entanto, não caberá a mim, mero jornalista, descrever a má parte do vocábulo. Falemos de uma visita...
                O dia estava prestes a afogar-se no seio da noite quando meus passos cessam de frente a um casebre de número 36. Um lar antigo e rústico, análogo a fisionomia de seu ilustre residente. Fui recebido por um homem vestido com o alinho e esmero da velhice, que era somente um resto de garbo da mocidade. Seus olhos luziam de muita vida e era a parte mais juvenil do rosto. Face essa que trazia vestígios de um abalo, mas não havia nele desânimo, menos ainda desespero. O que existia era uma imperiosa interrogação; cada narina parecia à ponta de um dilema. Que tola insensatez a minha! Deixei-me levar pelo julgo frívolo das aparências. Contudo, como não poderia ser aturdido pela dúvida? Aquela simplória figura em nada remetia a imagem notável dos meus devaneios, e para ser franco, a todo o momento pensei que transporia os portões suntuosos de um palácio. A realidade não é doce como a poesia. Diante de mim estava o mais humilde dos seres, a ternura de sua voz, porém, alertou-me do cometido disparate. Sua imagem revelava-se simples, mas o seu coração era nobre igual ao do mais abastado dos soberanos. Um rei chamado Alberi.
                Saudações ao monarca dos montes! Assim como aquela terra alta e retumbante de nostalgia que traduz e engrandece teu nome, seus grandiosos feitos converteram-se em marcas indeléveis em cada alma aficionada. Embevecidos ficávamos defronte ao seu talento. O belo congraçamento entre o craque e a natureza. Um digno régio do cimo dos relevos. Amado, admirado e jamais esquecido. A personificação do vigor e da ternura; o ídolo maior do mais querido dos clubes. Um amor em preto e branco.
                Em seu reino verdejante, era o mais airoso entre os da sua estirpe; uma elegância incomparável. A genuína e direta inspiração do céu. Dono de uma criatividade quase divina e de um chute simplesmente arrasador. Um clássico camisa 10 de tempos idos, daqueles que tratavam a bola com um amor fraternal. O brilho secundário de sua bola de prata resplandeceu em nossas pupilas como a magnificência dourada. Um solitário abnegado que alcançou tamanha honraria.
                O semblante plácido de Alberi é como um imenso abismo que separa as esperanças da desilusão; a linha tênue que aparta a melancolia e a satisfação. Uma conformidade filosófica. A sua engenhosidade nunca lhe rendeu frutos, a não ser o afeto absoluto dos seus súditos. O labirinto insano da ganância e o domínio pérfido do vil metal jamais foram obstáculos em sua essência. E qual presente desse mundo poderia ser mais gratificante do que a idolatria eterna?
               O nosso paladino também pode ser comparado ao portentoso animal que representa toda uma nação. Um Elefante forte e majestoso que todos paravam para observar. Seu olho é um lago escuro e prateado. Em seu passado habitam laivos de tristura, por isso sua tromba pode parecer macambúzia, mas de lá não brota a melancolia, e sim a candura. Sereno e imponente, assim como o símbolo da paixão alvi-negra.
                Ah Alberi, fostes um poeta do amor incondicional, um trovador enamorado de apenas um escudo. O pintor renascentista que exercia sua arte em duas cores, em três letras. Lírico, dramático... Foi, acima de tudo, o mais fiel dos amantes.  
               Tudo se fora na enchente do tempo. Resignados permanecemos pelo fim de um sonho e o abandono do nosso herói. Saibamos que a saudade é como uma carta, mais ou menos longa, escrita em papel velino, corte dourado e muito aromático. Mensagem de regozijo quando se lê, de pêsames quando se termina. Sendo assim, concluirei essa epistola da mesma maneira que finalizaria a mais saudosa das cartas. Acabemos com as dolorosas recordações e lacremos esse nostálgico envelope. A saudade agora possui um sinônimo para o leal torcedor do ABC, e ela se chamará Alberi.

Assunto: ídolo da saudade
Destinatários: torcedores do ABC

POR: Otávio Camilo

3 comentários:

  1. Palavra cumprida e visita feita, meu caro. Muito bom o texto. Muito bom saber que tem gente boa por esse Brasil a fugir da raia da mediocridade que impera.

    Um abração,
    Wagner

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  2. Obrigado pela visita, Wagner. Admiro muito o seu trabalho e fiquei bastante feliz pelas suas palavras. Abraço e volte sempre!

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  3. Otávio é o cara que redige alguns dos textos mais inteligentes que já li. Escreve com rebuscos, mas passa a quilômetros de distância da prolixidade: o conteúdo e a profundidade são características imanentes às suas publicações.

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