O ser humano e a dádiva dos seus sentimentos.
Algumas coisas são eternas como as pedras fincadas no fundo da terra. Perpétua
como é a mais maléfica das emoções: a saudade. E que palavra é essa? Sensação
invisível e nefasta da qual todos os seres são consumidos, mas só nós
conseguimos conjugá-la. Companheira sádica do abatimento. No entanto, não
caberá a mim, mero jornalista, descrever a má parte do vocábulo. Falemos de uma
visita...
O dia estava prestes a
afogar-se no seio da noite quando meus passos cessam de frente a um casebre de
número 36. Um lar antigo e rústico, análogo a fisionomia de seu ilustre residente.
Fui recebido por um homem vestido com o alinho e esmero da velhice, que era
somente um resto de garbo da mocidade. Seus olhos luziam de muita vida e era a
parte mais juvenil do rosto. Face essa que trazia vestígios de um abalo, mas
não havia nele desânimo, menos ainda desespero. O que existia era uma imperiosa
interrogação; cada narina parecia à ponta de um dilema. Que tola insensatez a
minha! Deixei-me levar pelo julgo frívolo das aparências. Contudo, como não
poderia ser aturdido pela dúvida? Aquela simplória figura em nada remetia a
imagem notável dos meus devaneios, e para ser franco, a todo o momento pensei
que transporia os portões suntuosos de um palácio. A realidade não é doce como
a poesia. Diante de mim estava o mais humilde dos seres, a ternura de sua voz,
porém, alertou-me do cometido disparate. Sua imagem revelava-se simples, mas o
seu coração era nobre igual ao do mais abastado dos soberanos. Um rei chamado
Alberi.
Saudações
ao monarca dos montes! Assim como aquela terra alta e retumbante de nostalgia
que traduz e engrandece teu nome, seus grandiosos feitos converteram-se em
marcas indeléveis em cada alma aficionada. Embevecidos ficávamos defronte ao
seu talento. O belo congraçamento entre o craque e a natureza. Um digno régio do
cimo dos relevos. Amado, admirado e jamais esquecido. A personificação do vigor
e da ternura; o ídolo maior do mais querido dos clubes. Um amor em preto e
branco.
Em seu
reino verdejante, era o mais airoso entre os da sua estirpe; uma elegância
incomparável. A genuína e direta inspiração do céu. Dono de uma criatividade
quase divina e de um chute simplesmente arrasador. Um clássico camisa 10 de
tempos idos, daqueles que tratavam a bola com um amor fraternal. O brilho
secundário de sua bola de prata resplandeceu em nossas pupilas como a
magnificência dourada. Um solitário abnegado que alcançou tamanha honraria.
O
semblante plácido de Alberi é como um imenso abismo que separa as esperanças da
desilusão; a linha tênue que aparta a melancolia e a satisfação. Uma conformidade
filosófica. A sua engenhosidade nunca lhe rendeu frutos, a não ser o afeto
absoluto dos seus súditos. O labirinto insano da ganância e o domínio pérfido
do vil metal jamais foram obstáculos em sua essência. E qual presente desse
mundo poderia ser mais gratificante do que a idolatria eterna?
O nosso
paladino também pode ser comparado ao portentoso animal que representa toda uma
nação. Um Elefante forte e majestoso que todos paravam para observar. Seu olho
é um lago escuro e prateado. Em seu passado habitam laivos de tristura, por
isso sua tromba pode parecer macambúzia, mas de lá não brota a melancolia, e
sim a candura. Sereno e imponente, assim como o símbolo da paixão alvi-negra.
Ah
Alberi, fostes um poeta do amor incondicional, um trovador enamorado de apenas
um escudo. O pintor renascentista que exercia sua arte em duas cores, em três
letras. Lírico, dramático... Foi, acima de tudo, o mais fiel dos amantes.
Tudo se fora na enchente do tempo.
Resignados permanecemos pelo fim de um sonho e o abandono do nosso herói.
Saibamos que a saudade é como uma carta, mais ou menos longa, escrita em papel
velino, corte dourado e muito aromático. Mensagem de regozijo quando se lê, de pêsames quando se termina. Sendo assim, concluirei essa epistola
da mesma maneira que finalizaria a mais saudosa das cartas. Acabemos com as dolorosas
recordações e lacremos esse nostálgico envelope. A saudade agora possui um
sinônimo para o leal torcedor do ABC, e ela se chamará Alberi.
Assunto:
ídolo da saudade
Destinatários:
torcedores do ABC
POR: Otávio
Camilo
Palavra cumprida e visita feita, meu caro. Muito bom o texto. Muito bom saber que tem gente boa por esse Brasil a fugir da raia da mediocridade que impera.
ResponderExcluirUm abração,
Wagner
Obrigado pela visita, Wagner. Admiro muito o seu trabalho e fiquei bastante feliz pelas suas palavras. Abraço e volte sempre!
ResponderExcluirOtávio é o cara que redige alguns dos textos mais inteligentes que já li. Escreve com rebuscos, mas passa a quilômetros de distância da prolixidade: o conteúdo e a profundidade são características imanentes às suas publicações.
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