quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A arte do voyeurismo e a ditadura midiática


                As interrogações percorrem lentamente o meu cérebro, assim como passam pelas pupilas enfermas de toda uma nação. Eis o legado da miséria midiática: entra ano, sai ano, e nós, pobres e desafortunados telespectadores, somos compelidos a testemunharmos o espetáculo do marasmo e da sandice. O nosso jardim de flores incultas e folhas agrestes jamais foi regado de forma tão sublime. Desde a primeira versão do famigerado Big Brother, que fomos apresentados à monotonia e a um traço pouco glorioso da nossa essência. Enquanto um chora, outro graceja; é a lei do mundo, meu caro leitor; é a perfeição universal. Se todos pranteassem, a existência seria delineada por uma indelével mesmice; se todos sorrissem, poderíamos tornar a vida cansativa. Uma boa distribuição de risos, lágrimas, soluços, brigas e descomposturas acabam por trazer à alma do planeta a diversidade necessária. Acima de tudo isso, uma prática muito mais antiga do que poderia imaginar o pseudo-poeta global: a arte de espiar.
              A casa mais vigiada do país! Para alguns, essa frase representa apenas um preceito básico de um programa noturno de televisão; para mim, ela simboliza um artifício sórdido e alienante para oprimir as nossas mentes frente ao sadismo. Portas, janelas, paredes... Uma morada convencional, a não ser pelo fato dela ser habitada por indivíduos que não se conhecem, e que estão sendo vigiados diariamente pelas lentes impositivas das câmeras e por milhares de olhos curiosos. O que eu chamaria de voluptuosidade indefinível, o Marquês de Sade classificaria como voyeurismo, o processo de se obter prazer através da observação de pessoas. No entanto, até mesmo aquele libertino nobre, que tem no seu nome o enlace da luxúria, ficaria surpreso ao saber a que ponto aprimorou-se seu desígnio.   
 Os participantes vagam pelos cômodos da ostentosa residência, como que perdidos. A realidade externa se esvai completamente, ao penetrarem jubilosos pela temível porta, onde se transformam em refugiados e comensais de um universo paralelo. Homens e mulheres desprovidos de qualquer pudor moral, elevação cultural ou distinção intelectual. Atravessam as horas banhando-se nas águas do deleite e da heresia; todos eles dispostos aos olhares lânguidos e vorazes da plebe, como se estivessem nas trágicas areias do coliseu romano, prontos para serem devorados por leões famintos. Permanecerão, para a satisfação dos seus sádicos feitores, confinados e expostos ao paredão da obra superfina do povo: a opinião.

A força de uma ideologia extravagante e decadente se sobrepõe aos ouvidos inocentes e pouco instruídos de boa parte da população. O que seria da mídia sem o sensacionalismo ou a dose forçosa do nosso mais hediondo vício, a hipocrisia? Nenhum outro personagem seria mais adequado para responder tal questionamento, senão ele, o mestre do chulo e dos versos saqueados de romances baratos. O Pedro Bial representa dignamente o papel mesquinho que lhe foi auferido pela “toda poderosa” emissora do Brasil; decidiu abandonar o ofício honrado e do qual figurava entre os melhores, para se converter em um verdadeiro criador de ilusões. Um declamador de banalidades, que desfia o seu rosário de ditos infames e anedotas indecifráveis. Ergueu-se como o arauto dos ordinários poemas, ao tentar transformar o mais vulgar dos instantes em uma epopeia. Ousou fazer do grotesco uma rapsódia. Essa filosofia seca e tacanha, quem irá entender?
Enganados estão aqueles que julgam os tais espíritos fúteis como sendo os únicos a assistirem a essa suposta realidade do cotidiano. Essa impudica epidemia, que se alastra gradativamente e invade os nossos lares, já começa a inquietar algumas almas ponderadas, homens pensadores, que presenciavam com tristeza esse desvario em massa. Filósofos, sábios, intelectuais, intelectualóides... Mesmo aqueles que se consideram avessos ou acima das trivialidades do povaréu, se permitem à frivolidade de uma “espiadinha” em determinados momentos. 
Agitações diárias, lutas, ânsias, fugazes paixões, gozos momentâneos. Essa é a nova mania nacional e o reflexo do absolutismo midiático do novo século. Entra um rapaz no confessionário, bronzeia-se uma bela jovem na beira da piscina. As imagens reproduzem os desejos de uma legião cega, surda e obtusa. Serei eu a observá-los? Ou você? Nessa casa não existem livros ou quadros, nem cortinas ou móveis; não existem pessoas, e sim escravos do prazer mórbido de alguns. Não há razão, somente o infindável delírio. 
Pensando bem, jamais houve uma casa; o que vemos é um castelo, talvez idêntico ao que Franz Kafka descreveu tão admiravelmente, onde os seres prostravam-se angustiados, submetidos ao autoritarismo tirânico de uma voz misteriosa. Todavia, a ditadura do grande escritor tcheco não foi além de um devaneio, a nossa, porém, deveria ter ficado enterrada no cavo abismo do tempo. Estamos acorrentados ao grilhão imaginário de uma nova manipulação; um despotismo diferente, que nos permite ouvir, falar, opinar... Presos eternamente em uma falsa sensação de liberdade. O que fazem dezenas de pessoas reclusas em uma casa? O que fazem outros milhões a lhes fitarem? Viva a ditadura midiática! Enquanto a saudamos, vamos dar uma espiadinha. 

Otávio Camilo

4 comentários:

  1. Parabéns amigo, texto. Tudo que você descreveu é realmente aqui que a gente assistimos todas às noite.!!!!!!

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  2. Vc falou tudo, total perca de tempo esse programa e ainda tem gente que se dá ao prazer em votar de forma entusiasmada como se fosse algo importante para a sociedade.

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  3. Belo texto Otávio, passagens brilhantes. Vejo ainda uma luz no fim do túnel, acredito que em breve o povo se libertará dessa Matrix.

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  4. eita que ele arrazou,o texto está otimo seria muito bom que todos desse uma olhada nessas palavras, pois as pessoas precisam ser enchegar melhor tudo aquilo que está a sua volta......

    adorei esse trecho;" Serei eu a observá-los? Ou você? Nessa casa não existem livros ou quadros, nem cortinas ou móveis; não existem pessoas, e sim escravos do prazer mórbido de alguns. Não há razão, somente o infindável delírio. "

    SO TENHO A TE DIZER parabéns......

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