As interrogações percorrem lentamente o meu cérebro, assim como passam
pelas pupilas enfermas de toda uma nação. Eis o legado da miséria midiática:
entra ano, sai ano, e nós, pobres e desafortunados telespectadores, somos
compelidos a testemunharmos o espetáculo do marasmo e da sandice. O nosso
jardim de flores incultas e folhas agrestes jamais foi regado de forma tão
sublime. Desde a primeira versão do famigerado Big Brother, que fomos
apresentados à monotonia e a um traço pouco glorioso da nossa essência.
Enquanto um chora, outro graceja; é a lei do mundo, meu caro leitor; é a
perfeição universal. Se todos pranteassem, a existência seria delineada por uma
indelével mesmice; se todos sorrissem, poderíamos tornar a vida cansativa. Uma
boa distribuição de risos, lágrimas, soluços, brigas e descomposturas acabam
por trazer à alma do planeta a diversidade necessária. Acima de tudo isso, uma
prática muito mais antiga do que poderia imaginar o pseudo-poeta global: a arte
de espiar.
A casa mais vigiada do país! Para alguns, essa
frase representa apenas um preceito básico de um programa noturno de televisão;
para mim, ela simboliza um artifício sórdido e alienante para oprimir as nossas
mentes frente ao sadismo. Portas, janelas, paredes... Uma morada convencional,
a não ser pelo fato dela ser habitada por indivíduos que não se conhecem, e que
estão sendo vigiados diariamente pelas lentes impositivas das câmeras e por
milhares de olhos curiosos. O que eu chamaria de voluptuosidade indefinível, o Marquês de
Sade classificaria como voyeurismo, o processo de se obter prazer através da
observação de pessoas. No entanto, até mesmo aquele libertino nobre, que tem no
seu nome o enlace da luxúria, ficaria surpreso ao saber a que ponto
aprimorou-se seu desígnio.
Os participantes
vagam pelos cômodos da ostentosa residência, como que perdidos. A realidade
externa se esvai completamente, ao penetrarem jubilosos pela temível porta,
onde se transformam em refugiados e comensais de um universo paralelo. Homens e
mulheres desprovidos de qualquer pudor moral, elevação cultural ou distinção
intelectual. Atravessam as horas banhando-se nas águas do deleite e da heresia;
todos eles dispostos aos olhares lânguidos e vorazes da plebe, como se
estivessem nas trágicas areias do coliseu romano, prontos para serem devorados
por leões famintos. Permanecerão, para a satisfação dos seus sádicos feitores, confinados
e expostos ao paredão da obra superfina do povo: a opinião.
A força de uma ideologia extravagante e decadente se sobrepõe
aos ouvidos inocentes e pouco instruídos de boa parte da população. O que seria
da mídia sem o sensacionalismo ou a dose forçosa do nosso mais hediondo vício,
a hipocrisia? Nenhum outro personagem seria mais adequado para responder tal
questionamento, senão ele, o mestre do chulo e dos versos saqueados de romances
baratos. O Pedro Bial representa dignamente o papel mesquinho que lhe foi
auferido pela “toda poderosa” emissora do Brasil; decidiu abandonar o ofício
honrado e do qual figurava entre os melhores, para se converter em um
verdadeiro criador de ilusões. Um declamador de banalidades, que desfia o seu
rosário de ditos infames e anedotas indecifráveis. Ergueu-se como o arauto dos
ordinários poemas, ao tentar transformar o mais vulgar dos instantes em uma
epopeia. Ousou fazer do grotesco uma rapsódia. Essa filosofia seca e tacanha,
quem irá entender?
Enganados estão aqueles que julgam os tais espíritos fúteis
como sendo os únicos a assistirem a essa suposta realidade do cotidiano. Essa
impudica epidemia, que se alastra gradativamente e invade os nossos lares, já
começa a inquietar algumas almas ponderadas, homens pensadores, que
presenciavam com tristeza esse desvario em massa. Filósofos, sábios,
intelectuais, intelectualóides... Mesmo aqueles que se consideram avessos ou
acima das trivialidades do povaréu, se permitem à frivolidade de uma
“espiadinha” em determinados momentos.
Agitações diárias, lutas, ânsias, fugazes paixões, gozos
momentâneos. Essa é a nova mania nacional e o reflexo do absolutismo midiático
do novo século. Entra um rapaz no confessionário, bronzeia-se uma bela jovem na
beira da piscina. As imagens reproduzem os desejos de uma legião cega, surda e
obtusa. Serei eu a observá-los? Ou você? Nessa casa não existem livros ou
quadros, nem cortinas ou móveis; não existem pessoas, e sim escravos do prazer
mórbido de alguns. Não há razão, somente o infindável delírio.
Pensando bem, jamais houve uma casa; o que vemos é um
castelo, talvez idêntico ao que Franz Kafka descreveu tão admiravelmente, onde
os seres prostravam-se angustiados, submetidos ao autoritarismo tirânico de uma
voz misteriosa. Todavia, a ditadura do grande escritor tcheco não foi além de
um devaneio, a nossa, porém, deveria ter ficado enterrada no cavo abismo do
tempo. Estamos acorrentados ao grilhão imaginário de uma nova manipulação; um
despotismo diferente, que nos permite ouvir, falar, opinar... Presos
eternamente em uma falsa sensação de liberdade. O que fazem dezenas de pessoas
reclusas em uma casa? O que fazem outros milhões a lhes fitarem? Viva a
ditadura midiática! Enquanto a saudamos, vamos dar uma espiadinha.
Otávio
Camilo
Parabéns amigo, texto. Tudo que você descreveu é realmente aqui que a gente assistimos todas às noite.!!!!!!
ResponderExcluirVc falou tudo, total perca de tempo esse programa e ainda tem gente que se dá ao prazer em votar de forma entusiasmada como se fosse algo importante para a sociedade.
ResponderExcluirBelo texto Otávio, passagens brilhantes. Vejo ainda uma luz no fim do túnel, acredito que em breve o povo se libertará dessa Matrix.
ResponderExcluireita que ele arrazou,o texto está otimo seria muito bom que todos desse uma olhada nessas palavras, pois as pessoas precisam ser enchegar melhor tudo aquilo que está a sua volta......
ResponderExcluiradorei esse trecho;" Serei eu a observá-los? Ou você? Nessa casa não existem livros ou quadros, nem cortinas ou móveis; não existem pessoas, e sim escravos do prazer mórbido de alguns. Não há razão, somente o infindável delírio. "
SO TENHO A TE DIZER parabéns......