sexta-feira, 15 de março de 2013

Lágrimas bolivarianas


Eu espero a indulgência dos homens pensadores.

            Certa vez, um ser soberbo fitava o céu numa espécie de recíproca admiração, ou possivelmente com certo ar de majestades rivais e tranquilas, sem arrogância, nem aviltamento, como se ele dissesse: - afinal, não me hás de cair em cima; e o céu responde: - nem tu me alcançarás jamais. A impiedosa precaução da natureza nos oferecerá a mais óbvia das conclusões.
Vede o drama, vede o ponto da assustadora e indelével dúvida de Maquiavel: é preferível ser temido ou adorado? A resposta para tal questionamento virá daqueles que marcharam por um caminho escabroso e flanqueado de abismos vertiginosos. Do verde da Amazônia ao tirânico império do norte ouve-se uma cruel sensação de alívio. No entanto, a portentosa cordilheira que outrora contemplou o seio do sangrento combate pela liberdade, agora declina da sua magnificência sob a sombra cruciante do ocaso. As alamedas de uma cidade converteram-se em um ondulante mar vermelho. Lágrimas rubras caíram no solo da República Bolivariana.
Corriam lentas no azul do céu, as estrelas, irmãs da lua, que esperavam a volta do filho ausente. Um personagem de semblante hercúleo declamou com a voz pastosa suas derradeiras palavras: “não me deixem morrer, os ideais socialistas não podem acabar”. Seus olhos estavam abertos em um esgar heroico e, cansados, foram-se fechando aos poucos. Finalmente dormiu, num sono fatigado e triste, do qual nunca acordará. O seu espírito, depois de saturar-se do amargo das batalhas por uma sociedade igualitária, desfiava rapidamente a teia da sua existência. Uma das maiores personalidades políticas da América Latina acabara de dar o seu último suspiro. Hugo Chavez está morto! Essas palavras apresentaram-se aterradoras para seu povo, como os clangores da trombeta do arcanjo anunciando o fim do mundo. Lamuriosos eles marchavam...
 Eram seis horas da tarde; o sol declinava rapidamente, e a noite, descendo do firmamento, envolvia a terra nas sombras melancólicas que acompanhavam o cortejo. Seus olhos fitavam a rua, sem treva, sem vida, beijada pelos raios do sol. Suas almas, atordoadas pela dor do momento, embalavam-se naquele pranto e vertiam gotas de desespero sobre o caixão fechado. Dentro deles havia algo pior do que a morte. O préstito descia a passos vagarosos pelas ruínas dos logradouros, numa pesarosa cadência. As mãos enxugam as pupilas fulvas e lacrimosas, alguns batem continência, outros mantêm os punhos cerrados... Todos desolados. Uma mulher se ergue da multidão e diz: - é como se eu tivesse perdido o meu pai ou o mais querido dos filhos. As sombras noturnas já começavam a bater sobre seus rostos incrédulos, trazendo consigo um composto de sentimentos que eram a apoteose do líder amado. A intensificação dramática...
    Hugo chavez era um homem para a luta, tinha fogo no sangue e era louvado pela força de vontade. O seu destino estava decretado no firmamento, e a sua vocação irrevogavelmente firmada aqui na terra: seria um valoroso soldado que defenderia a mais sublime das ideologias e o sucessor honrado daquele que pintou de escarlate as páginas históricas para libertar os oprimidos. Seria o pai benevolente de toda uma nação. Todavia, a atroz doença lhe consumia minuciosamente e a sua altivez perdera o garbo de tempos idos. A onda aquecedora do entusiasmo apagou-se de todo e o céu azul finalmente cobriu o comandante que não temia perigos. O portentoso vulto mergulhou-se na infindável escuridão daquele crepúsculo.
                Não me tomem por louco, caro leitor, a minha intenção não é transformar a imagem de um controverso personagem em algo de divino, mas de tentar enxergá-lo como seus compatriotas o enxergavam. Deixemos que caia o véu que oculta o verdadeiro mundo aos nossos sentidos. Esqueçamos por um instante os julgamentos do senso comum, os rótulos midiáticos e as pretensões de grandeza. Não! O Hugo Chavez foi muito além de um despotismo incurável ou dos discursos marxistas; a relação que ele mantinha com os venezuelanos era de uma paixão compartida e desmedida; sensação que despia-se de índole e de razão para se converter em adoração pura. Atribuía-se a ele uma peleja filosófica; sua oratória gemia como um brado de guerra e era proferida com tamanha veemência que parecia uma épica passagem da Ilíada. Seu carisma era infinito como o mar e tão intenso como o dilúvio de lágrimas que fizera derramar. Viva a indignação!
               A história da humanidade, meus amigos, é contada a partir da pureza de uma página em branco ou do clamor solitário de um revolucionário. A revolução nada mais é do que o descobrimento, um novo começo, ou talvez uma absoluta mudança. Perguntem a todas as nações que testemunharam tal prática e certamente obterão a mesma resposta. Quando um país está inundado pelas águas indignas da corrupção ou coberto pelas indecorosas terras das disparidades, só há um caminho: a transformação através de uma conflagração social. A outra alternativa seria permanecer em silêncio e, cedo ou tarde, desfazer-se dos símbolos, da dignidade, e nos transmutarmos em mais uma estrelinha no maléfico estandarte norte-americano. Onde reina a opressão, eles surgem como o Rei dos oprimidos; muitos perdem a coragem, mas a bravura deles só aumenta; onde todos se calam frente à tirania, eles bradarão soberanos. A Venezuela escolheu percorrer o mais árduo dos caminhos, e designou os indivíduos que teriam a missão de guiá-la. Serão esses os libertadores!

   A realidade apossou-se de nós ao fim do fúnebre cortejo. É possível que a Revolução Bolivariana expire juntamente com o último sopro de vida de Hugo Chavez e Simón Bolívar. Pensando bem, os ideais de igualdade nunca foram além de lutas armadas ou gloriosos devaneios filosóficos, assim como aquele em que o homem alcançaria o céu. Fim.

Otávio Camilo
           

Um comentário:

  1. Parabéns pelo texto,não sou muito Fã de Politica,mas axo que vc escreveu muitobem sob o assunto....bjos e parabéns

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