A mentira é muitas vezes tão
involuntária como o mero ato de respirar, ou deveras perspicaz tal qual a
maledicência dos ímpios. A partir da sua aleivosa finalidade, vilões se
transformarão em heróis, lobos se passarão por cordeiros, e até mesmo o mais
cruciante inferno se converterá em paraíso. Os mentirosos construirão um império!
"A religião é um anestésico na terrível e
dolorosa existência do homem. A religião não passa de uma ilusão, e aqueles que
aderem a tal alucinação, são fracos e incapazes de enfrentar suas dificuldades.
A religião é o ópio do povo, porque engana o homem, induzindo-o a pensar que
deve aceitar com mansidão o seu presente estado de vida. Por isso, somente
quando a religião for destruída é que o homem recuperará a sua liberdade e
dignidade". (Karl Marx).
Em uma tentativa frustrada de
explicar as manifestações da natureza, o angustioso intelecto humano criou um
devaneio extraordinário e inquisidor que atravessa os séculos. Suas palavras
acalentam como uma sinfonia maviosa, e seu poder de persuasão, capaz de
enternecer um cérebro de pedra, fincou uma assuada eterna nas pobres mentes
confrangidas. Seus aliciantes preceitos permeiam em um imenso jardim de
insensata credulidade, exalando aromas que apaziguam o espírito, envolvendo-nos
numa sombra nebulosa de esperança e alienação. Assim como as brilhantes
futilidades, a religião nos alegra e nos acalenta. Dignificamos a sua essência
e a chamamos de ‘flor da vida’, pois acalma as almas erradias. Flores de
brisa, rosas efêmeras, e sem perfumes.
Sob a influência dos seus
sagrados dogmas, foram cometidas as maiores atrocidades da história da
humanidade. Um poderio insano que se revela em obras magníficas, esculpidas
pelo labor de inspirados cinzéis. Admiráveis colossos, ornados por belas colunas,
filetes de ouro, e ocupados por seres ardilosos, que erguem seus monumentos
acima da fragilidade de mentes e corações em desespero. Indivíduos que detêm a
vocação de encantar ou encher de dúvidas amargas à pura ingenuidade dos fiéis,
levando-os a uma celerada dança das bruxas em sua honra... Um estado perpétuo
de letargia. O ludíbrio mental é uma força incompreensível, porém fascinante e
dominadora, alimentada pelas mais elementares fraquezas do ser humano: o
crescente lamento, o desgosto impotente, a redenção, o ódio, o desejo de
imortalidade, e aquela ilusória crença que nos recosta submissos, ineptos e
impertinentes: a fé.
Permiti-me
o devaneio; minhas pálpebras fechavam ao ritmo do tempo. Nos sonhos, as
representações nunca são límpidas como naquela desolada e paupérrima planície,
sobre a qual avançavam fileiras de nômades espectros. O sol ainda incidia em
cima da borda de um imenso rio...
Eu
estava no comando de uma quimérica veleira, navegando em direção ao mistério de
um mundo desconhecido. Acabara de desembarcar na terra da insânia, onde os
sonhos gloriosos dos homens são devorados por serpentes sedutoras e astuciosas.
Naquele estranho lugar, esquecido pelo mundo, me deparei com rostos
fantasmagóricos, sombras de feições insaciáveis e horrendas; o clarão sinistro
que batia em suas frontes pálidas era como um facho lúgubre de um sacrilégio.
Eu estava diante de uma multidão de selvagens alucinados; homens e mulheres
perdidos na melancolia das matas, cantavam, dançavam e adoravam seus ídolos de
barro. O remanso brilho do rio, entre as margens lamacentas, refletia uma luz
magnificente que vinha do cume de uma montanha...
Eu andejava
sem rumo, desnorteado pela invariabilidade dos planos, no momento em que as
paisagens sucediam-se uniformes e sorumbáticas, apresentando os mais ríspidos
modelos, engravescidos por um cenário aterrador. Adiante, numa fenda de penedos
adjacentes, já imersos pela escuridão, atrás de uma confusa escadaria de
cristas, a uma distância incomensurável, como que saindo por uma ação de efeito
sobrenatural, pude ver um morro cujo topo possuía um traçado regular e
geométrico, de uma incomparável cor dourada. Aumentava o fragor da turba que me
seguia, impelida pela mesma ilusão.
Apenas
as nuas cristas, numa altura inimaginável, continuaram iluminadas pelo astro
rei quando de repente, diante de mim e contra o crepúsculo, surge um formoso e
imponente templo. Na difusão cintilante das estrelas, delineava-se, dúbio, o
perfil de uma igreja, transfigurada pela obtusa devoção de pessoas submetidas a
uma existência miserável, aflitiva e de luta contra o destino. Ela brotava
graciosa dentro de uma natureza que lhe concebia em roda, como um parêntesis
naquele quadro lastimável.
Prostrei-me
enlevado, perguntando-me o que poderia haver naquele espaço suntuoso e
enigmático, quase inacessível, tão separado do mundo. Que segredos ocultava?
Quem eram aquelas eufóricas criaturas, que aumentavam na medida do seu
assombroso entusiasmo? Decidi entrar...
Entre
as dádivas que jaziam no chão e nas paredes deslumbrantes do santuário,
observei, de par com as imagens e as relíquias, um traço sombrio de utopia
singular. Ao fundo, um homem caminha por um pitoresco palco, arrulhando palavras
de consolo, revestido de toda pompa de finas vestimentas, que lhe caía
desgraciosamente, escorrida pelo corpo abatido; ombros vergados e fronte cheia
de fervor. Aparecia o pastor. Quedava longo tempo, imóvel e calado, diante da
massa hipnotizada. Erguia lentamente a face descorada, de súbito aclarada por
um olhar fulgurante e fixo. E pregava...
Olhos
de admiração, regozijo e pranto miravam aquele convincente messias, entregando
suas vidas naquelas mãos trêmulas e ágeis. Era o poder ilimitado da eloquência...
De palavras... De ardentes palavras nobres. Não havia sugestões de ordem
prática para interromper o curso mágico das frases, a não ser uma atmosfera de
desvairo e aquietação. Jovens e velhos de fisionomia prazenteira e tola
caminhavam, de um lado ao outro, cada um por um pequeno trecho. Semelhante a um
movimento pendular, eles escandiam o percurso do tempo, sem romper o encanto
daquele espetáculo de delírio. Todos permaneciam abarcados em uma espécie de
torturante idiotismo, em que sofre-se uma alienação, mas sem consciência desse
padecimento.
Pelo
alto dos montes, numa balbúrdia indefinível, apontavam grupos de peregrinos,
trazendo suas esperanças e pertences; muitos carregavam seus familiares
enfermos, moribundos ansiando por uma cura divina no solo sacrossanto; cegos,
surdos, paralíticos, destinando-se ao milagre, a um simples toque do venerado
taumaturgo. Um bálsamo consolador que, se não cura, adormece a moléstia. Era,
como sempre, toda a sorte de gente.
Embebidos
num êxtase contemplativo, a noite descia e todos dormiam sob o controle do
formidável evangelizador. Ele já não duvidava do seu império; sentia em torno
de si a jubilosa adoração, e, da sua insídia universal, arrima-se num
incessante louvor dos seus súditos. Assim como Thomas More, filósofo inglês, chamarei
esse esquisito povaréu de ‘utopianos’, um povo que jamais acordará de um sonho. Ao
término do culto, eu retorno à realidade.
Otávio Camilo
A Igreja Católica trouxe o Cristianismo atraves do obscuro período da Idade Média, e o Mundo tem hoje um certo grau de respeito humano e desenvolvimento .
ResponderExcluirQual seria a alternativa sem a Igreja Católica, se não tivesse existido?
É fácil culpar a Igreja Católica hoje , sob ar condicionado , assistindo tv de HD, queria ver essas pessoas naquele tempo, tempo de ignorancias, queria ver essas pessoas lá, defendendo a o direito e a jusrtiça.