terça-feira, 23 de julho de 2013

Ladrões da fé

             A mentira é muitas vezes tão involuntária como o mero ato de respirar, ou deveras perspicaz tal qual a maledicência dos ímpios. A partir da sua aleivosa finalidade, vilões se transformarão em heróis, lobos se passarão por cordeiros, e até mesmo o mais cruciante inferno se converterá em paraíso. Os mentirosos construirão um império!                                                                                                                                                           
             "A religião é um anestésico na terrível e dolorosa existência do homem. A religião não passa de uma ilusão, e aqueles que aderem a tal alucinação, são fracos e incapazes de enfrentar suas dificuldades. A religião é o ópio do povo, porque engana o homem, induzindo-o a pensar que deve aceitar com mansidão o seu presente estado de vida. Por isso, somente quando a religião for destruída é que o homem recuperará a sua liberdade e dignidade". (Karl Marx).
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                Em uma tentativa frustrada de explicar as manifestações da natureza, o angustioso intelecto humano criou um devaneio extraordinário e inquisidor que atravessa os séculos. Suas palavras acalentam como uma sinfonia maviosa, e seu poder de persuasão, capaz de enternecer um cérebro de pedra, fincou uma assuada eterna nas pobres mentes confrangidas. Seus aliciantes preceitos permeiam em um imenso jardim de insensata credulidade, exalando aromas que apaziguam o espírito, envolvendo-nos numa sombra nebulosa de esperança e alienação. Assim como as brilhantes futilidades, a religião nos alegra e nos acalenta. Dignificamos a sua essência e a chamamos de flor da vida, pois acalma as almas erradias. Flores de brisa, rosas efêmeras, e sem perfumes. 
               Sob a influência dos seus sagrados dogmas, foram cometidas as maiores atrocidades da história da humanidade. Um poderio insano que se revela em obras magníficas, esculpidas pelo labor de inspirados cinzéis. Admiráveis colossos, ornados por belas colunas, filetes de ouro, e ocupados por seres ardilosos, que erguem seus monumentos acima da fragilidade de mentes e corações em desespero. Indivíduos que detêm a vocação de encantar ou encher de dúvidas amargas à pura ingenuidade dos fiéis, levando-os a uma celerada dança das bruxas em sua honra... Um estado perpétuo de letargia. O ludíbrio mental é uma força incompreensível, porém fascinante e dominadora, alimentada pelas mais elementares fraquezas do ser humano: o crescente lamento, o desgosto impotente, a redenção, o ódio, o desejo de imortalidade, e aquela ilusória crença que nos recosta submissos, ineptos e impertinentes: a fé.
             Permiti-me o devaneio; minhas pálpebras fechavam ao ritmo do tempo. Nos sonhos, as representações nunca são límpidas como naquela desolada e paupérrima planície, sobre a qual avançavam fileiras de nômades espectros. O sol ainda incidia em cima da borda de um imenso rio...
               Eu estava no comando de uma quimérica veleira, navegando em direção ao mistério de um mundo desconhecido. Acabara de desembarcar na terra da insânia, onde os sonhos gloriosos dos homens são devorados por serpentes sedutoras e astuciosas. Naquele estranho lugar, esquecido pelo mundo, me deparei com rostos fantasmagóricos, sombras de feições insaciáveis e horrendas; o clarão sinistro que batia em suas frontes pálidas era como um facho lúgubre de um sacrilégio. Eu estava diante de uma multidão de selvagens alucinados; homens e mulheres perdidos na melancolia das matas, cantavam, dançavam e adoravam seus ídolos de barro. O remanso brilho do rio, entre as margens lamacentas, refletia uma luz magnificente que vinha do cume de uma montanha...
               Eu andejava sem rumo, desnorteado pela invariabilidade dos planos, no momento em que as paisagens sucediam-se uniformes e sorumbáticas, apresentando os mais ríspidos modelos, engravescidos por um cenário aterrador. Adiante, numa fenda de penedos adjacentes, já imersos pela escuridão, atrás de uma confusa escadaria de cristas, a uma distância incomensurável, como que saindo por uma ação de efeito sobrenatural, pude ver um morro cujo topo possuía um traçado regular e geométrico, de uma incomparável cor dourada. Aumentava o fragor da turba que me seguia, impelida pela mesma ilusão.
               Apenas as nuas cristas, numa altura inimaginável, continuaram iluminadas pelo astro rei quando de repente, diante de mim e contra o crepúsculo, surge um formoso e imponente templo. Na difusão cintilante das estrelas, delineava-se, dúbio, o perfil de uma igreja, transfigurada pela obtusa devoção de pessoas submetidas a uma existência miserável, aflitiva e de luta contra o destino. Ela brotava graciosa dentro de uma natureza que lhe concebia em roda, como um parêntesis naquele quadro lastimável.
               Prostrei-me enlevado, perguntando-me o que poderia haver naquele espaço suntuoso e enigmático, quase inacessível, tão separado do mundo. Que segredos ocultava? Quem eram aquelas eufóricas criaturas, que aumentavam na medida do seu assombroso entusiasmo? Decidi entrar...
                  Entre as dádivas que jaziam no chão e nas paredes deslumbrantes do santuário, observei, de par com as imagens e as relíquias, um traço sombrio de utopia singular. Ao fundo, um homem caminha por um pitoresco palco, arrulhando palavras de consolo, revestido de toda pompa de finas vestimentas, que lhe caía desgraciosamente, escorrida pelo corpo abatido; ombros vergados e fronte cheia de fervor. Aparecia o pastor. Quedava longo tempo, imóvel e calado, diante da massa hipnotizada. Erguia lentamente a face descorada, de súbito aclarada por um olhar fulgurante e fixo. E pregava...
                 Olhos de admiração, regozijo e pranto miravam aquele convincente messias, entregando suas vidas naquelas mãos trêmulas e ágeis. Era o poder ilimitado da eloquência... De palavras... De ardentes palavras nobres. Não havia sugestões de ordem prática para interromper o curso mágico das frases, a não ser uma atmosfera de desvairo e aquietação. Jovens e velhos de fisionomia prazenteira e tola caminhavam, de um lado ao outro, cada um por um pequeno trecho. Semelhante a um movimento pendular, eles escandiam o percurso do tempo, sem romper o encanto daquele espetáculo de delírio. Todos permaneciam abarcados em uma espécie de torturante idiotismo, em que sofre-se uma alienação, mas sem consciência desse padecimento.
                 Pelo alto dos montes, numa balbúrdia indefinível, apontavam grupos de peregrinos, trazendo suas esperanças e pertences; muitos carregavam seus familiares enfermos, moribundos ansiando por uma cura divina no solo sacrossanto; cegos, surdos, paralíticos, destinando-se ao milagre, a um simples toque do venerado taumaturgo. Um bálsamo consolador que, se não cura, adormece a moléstia. Era, como sempre, toda a sorte de gente.
                 Embebidos num êxtase contemplativo, a noite descia e todos dormiam sob o controle do formidável evangelizador. Ele já não duvidava do seu império; sentia em torno de si a jubilosa adoração, e, da sua insídia universal, arrima-se num incessante louvor dos seus súditos. Assim como Thomas More, filósofo inglês, chamarei esse esquisito povaréu de utopianos, um povo que jamais acordará de um sonho. Ao término do culto, eu retorno à realidade.  


Otávio Camilo

Um comentário:

  1. A Igreja Católica trouxe o Cristianismo atraves do obscuro período da Idade Média, e o Mundo tem hoje um certo grau de respeito humano e desenvolvimento .
    Qual seria a alternativa sem a Igreja Católica, se não tivesse existido?
    É fácil culpar a Igreja Católica hoje , sob ar condicionado , assistindo tv de HD, queria ver essas pessoas naquele tempo, tempo de ignorancias, queria ver essas pessoas lá, defendendo a o direito e a jusrtiça.

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