Um dia, um poeta entreabriu as pétalas de uma rosa balsâmica.
No intimo da flor encontrou, vislumbrado, um verão inteiro. Todos queriam ver
de perto a alma de outro devaneio, a bola. Despetalei os gomos, um por um, e
encontrei um drible de Garrincha.
Ó natureza cruel! A mais bela flor do teu jardim ascendeu e
caiu tão fugaz como a leve brisa se perde na imensidão do tempo. Ela era
deveras graciosa e aromática que, mesmo estando ali, fincada naquele pântano de
dor e agonia, exalava o seu encanto.
Quão impiedosos podem ser os escárnios da nossa existência;
alguns seres deveriam ser eternos analogamente ao canto suave dos pássaros. Perpétuos
como a delicadeza do bater das asas de um anjo, aqueles seres que trazem consigo
a magnificência das virtudes e o triste som da morte. Um desses entes
iluminados viveria em nosso convívio muito menos do que deveria, mas, durante a
sua visita, foi como uma homenagem à nossa mais ardente paixão. Um sublime artífice
a fulgurar pelos palcos verdejantes.
Como soa melodiosa aos nossos ouvidos a mais elogiosa das
poesias. Contudo, a austeridade da realidade nas pode ser traduzida pelos
versos de um mero devaneador nem pela elegância dos seus eufemismos. Aquele ser
celestial não era mais do que um homem; suas asas não passavam de pernas
tortas, e o vôo daquela Corruíra seria capaz de fitar o sol, mas nunca teria
forças para chegar até lá. Entretanto, o que seria da vida se ela não pudesse
confundir-se com o sonho? Pureza, inocência e simplicidade. Que outras características
poderiam ser tão divinas? Não sejamos os tais espíritos fúteis e esqueçamos o
padecer longo e cruel de um claudicante. Falemos apenas do gênio detentor da
nobre arte de suscitar o júbilo. Um artista colossal que esculpia suas obras
através da abstração da alegria de milhares de aficionados. Eternamente alegre tal
qual o povo e inalcançável como o firmamento. Bailava faceiro aquele Mané...
Garrincha era como o vento; lépido, discreto, pés de brisa,
corpo ambíguo. Avançava na cancha com graça e elegância. Desafiava a métrica,
os limites, o espaço. A mais perfeita das metonímias. Parava defronte ao adversário;
ginga, embaraça, trapaça. Finta certa. Para ele não existia obstáculos; o
inimigo insuperável era simplesmente mais um João em seu caminho rumo ao regozijo.
Prostrados ficariam, um a um, mediante tamanho talento. Lançados ao chão pelo infortúnio
e pela admiração.
Garrincha era a ave certa de seu traçado; a seta convencida
do seu alvo; o jogador convicto de sua meta. Pula, dança, dribla... Em seus
olhos habitava o prazer pueril que zomba do infeliz que o perseguiu. Engana,
pisa, volta... Os detratores afirmavam que o Mané era dono de uma só jogada. Tolos
infames! Tornaram vil a beleza. Chamaram de evidente o que os sensatos
descreveriam como sendo a mais imprevisível das obviedades.
Fostes o último dos românticos, Garrincha. Pintaste de preto
e branco o amor incondicional nos corações ensandecidos pelo mais glorioso dos
escudos. Tingiu de amarelo a saudade de toda uma nação. Os suecos foram às
primeiras vítimas, os pioneiros entre os privilegiados. Estupefatos ficaram
diante do futebol mágico que a todos maravilhava. A redondinha era sua amiga, o
drible era uma poesia. Malabarismo que embevecia. No Chile, carregou solitário
o peso de todo o povaréu. Foi um balé sobrenatural, com todos aqueles anjos a
lhe inspirar. O melhor entre os melhores
As luzes do palacete verde daquele rei extinguiram-se, o
brado caloroso das arquibancadas cessou e o nobre paladino despediu-se ao
caminhar pela longa estrada que leva ao ostracismo. A expressão cândida de
Garrincha refletia a personificação esmerada da dubiedade; o seu coração era o
de um garoto ingênuo, igualmente benévolo ao dos seus confrades alados; a sua
alma, porém, era vadia e libertina como a do mais romanesco dos indivíduos. Afogou-se
no mar eterno da loucura. Sejamos bons súditos e não nos lembremos das agruras.
Vamos nos recordar de que Deus nos sorriu de dentro daquela flor que
desabrochava, e gracejou do fundo dessa água que serpenteia. Ria satisfeito com
o vôo rasante daquele pássaro que cantava o contentamento e que agora entoa a
saudade. Voa para novos campos a ave nacional. Um anjo, um pássaro... Um ídolo inesquecível.
Parabéns, Garrincha!
POR: Otávio Camilo
Eis o maior driblador de todos os tempos, melhor ponta da história do futebol mundial, ofuscou em alguns momentos da vida seu rival e sucessor Pelé que, apesar de não terem sido grandes amigos, em campo jogando juntos eram imbatíveis e insuperáveis! Poderia ter feito muito mais pelo país, poderia ter sido lembrado como merecia, a altura de um grande gênio se não fosse os exageros cometidos durante a carreira e sucessivas façanhas de indisciplina que o tornou menosprezado e pouco lembrado durante os anos. De todos os problemáticos, foi o que mais ascendeu e o que mais caiu profundamente em seus vícios e virtudes... Um anjo caído, um anjo torto.
ResponderExcluirUm ser ao qual não veremos outro que chegue perto do seu nível. Um dos que ajudaram o Brasil a ser o pais do futebol, merece todos os elogios.
ResponderExcluir