Vede a sina de um solitário guerreiro,
que caminhou por uma áspera jornada em busca de redenção.
Antes de qualquer
abordagem fabulosa, deixarei claro que não aceitarei que me venham com tolices
de dizer que heróis não existem. Confesso que passei metade do dia imaginando
uma palavra menos desgastada para definir os romanescos 90 minutos da decisão
entre clubes alemães na tarde deste sábado, e, em especial, a atuação do
jogador holandês Arjen Robben. Como definirei esse virtuoso atleta, devorado
pelas inquebrantáveis reminiscências de um pênalti perdido e de uma falha no momento
crucial de uma Copa do Mundo? A vítima de uma surda tristeza de vencido; um
desespero impotente contra tudo e contra todos, por não lhe ter sido possível
arrebatar aqueles torcedores que o apoiavam. Nos momentos mais importantes, o
talento da sua perna canhota se mostrou inútil e vacilante. Podem me explicar
que esse tipo de heroísmo é resultado de um mero acaso, ou uma fuga momentânea
de um rótulo que deverá ser perpétuo. Pois quero que se danem as explicações!
Para mim, o herói, como o ídolo, é aquele que vive sua vida até as últimas
consequências, assim como o habilidoso atacante que, mesmo atormentado por
pesarosas lembranças, possui a frieza necessária para ser o autor do gol decisivo
do mais desejado dos títulos. Que nome devo dar a esse homem?
Nesse
instante, duas grandezas cruzavam-se na beligerante superfície de um palco
feito em arco...
O crepúsculo vinha deslizando do céu em uma magnificência
tranquila e deslumbrante. O seu fulgor dourado incidia sobre as admiráveis
colunas de um monumento imperial. Aquele templo, feito de emoções, sentimentos
e aço, seria o lugar perfeito para uma batalha final entre bárbaros. Acomodados
em seus assentos reais, os espectadores contorciam seus rostos pela tensão, as
mãos permaneciam ligeiramente trêmulas e os olhos se esqueciam de piscar. O
cenário tornava-se assustador, inquietante, com aquela exuberância brutal de
vida, no meio daquela floresta de almas germânicas que crescia aos meus
agitados sentidos.
Uma faixa escarlate já se desenhava no horizonte, talvez em
honraria ao vindouro triunfo de toda aquela chusma encarnada de selvagens que
bradava incessantemente, num coro de elocuções articuladas, rápidas e
ofegantes. No outro flanco do estádio, com toda aparência de
indestrutibilidade, erguia-se a grande muralha amarela, uma massa descomunal e inextricável
de indivíduos insanos. Era como uma invasão infrene de uma turba ressonante,
uma loura onda de pessoas empilhadas, fervorosas, prontas para entoarem seus
belicosos cânticos e aniquilarem seus inimigos. Era o tumulto de ferozes gritos
de guerra. O ocaso repetia aquelas palavras mediante um sussurro persistente,
parecendo crescer ameaçadoramente, como o primeiro sopro de uma batalha.
Sorrisos e carrancas alternavam-se perante a suntuosidade clássica
de Wembley, assim como os semblantes tempestuosos dos 22 combatentes que se
enfileiravam sobre a virente planície varrida pelo vento. Uma singular e
metafórica peleja entre clubes irmãos e compatriotas, proporcionada apenas pelo
distópico mundo da mais radiante das nossas paixões, o futebol. Uma guerra que
tem por objetivo supremo a alegria da vitória, acompanhada de hinos, aclamações,
recompensas públicas e o glorioso ato de levantar aquele valioso objeto de
metal, símbolo do merecimento. Aos derrotados, as lamúrias e a resignação; aos
vencedores, as glórias. Essas foram dispostas no meio de um mar vermelho e
ondulante. Desenrolava-se o cotejo campal...
Os olhos
dos bárbaros possuíam um esplendor espantoso. De ambos os lados avançavam as
alas, movidas por metas distintas: o exercito bávaro, perturbado por recentes
insucessos, negava categoricamente a possibilidade de um novo fracasso. Já os
intrépidos do Vale do Huhr, renascidos prodigiosamente de um tempo calamitoso,
desejavam se consolidar entre os poderosos do velho continente. Cominadores e
engenhosos, pressionavam as linhas de defesa dos seus contendores,
assustando-os com a sua velocidade e força ofensiva. O destino parecia
favorecer aqueles que envergavam o amarelo e o preto, porém a noite seria
pintada de outra cor. O Dortmund prostrou-se conformado.
Entre
os soldados de uma das tropas, postava-se um magro soldado, de rosto pálido e
olhos angustiados. Ele tinha uma expressão preocupada, e sua cabeça era tão nua
como a palma da minha mão. Em sua fronte
via-se a sombra de um sofrimento íntimo, e uma larga nuvem melancólica toldava
a limpidez da sua visão de fera acossada. Obsedava-lhe o espírito, quando
enegreciam em sua mente as tristes recordações de outrora. Um homem consciente
de que cair em derrota ali seria falhar ao seu destino, sacrificar a existência inteira
e condenar-se ao eterno suplício de um cativeiro repleto de humilhações. Ao
longo da contenda, sob uma torrente turva e impetuosa, ele frustrava-se em
tentativas que se sucediam, as mesmas circunstâncias que reavivavam o passado. Tal
qual um súbito lampejo, ouve-se em toda a arena um grito muito alto, como de
infinito alívio, rasgando o ar de euforia.
A
guerra era finda, e todos perceberam que uma força de contenção, um desses
segredos humanos que desafiam as probabilidades, tinha entrado em ação naquele
gramado. Uma bola entra mansamente nas redes de um arqueiro que se mostrava insuperável,
um gol que mais parecia um golpe mortal no coração do seu rival, a conquista de
uma taça que insistia em escapar por entre os dedos... Os braços abertos para
receber os afetos que foram negados. Não poderia haver um enredo mais
dramático para o Bayern de Munique e para um dos seus campeões. Não podemos
negar que o principal personagem dessa narrativa possui um cunho original. As vozes
suplicantes e as queixas amarguradas converteram-se em regozijo. Nos últimos clarões
do pôr do sol,
o pranto orvalhou o plácido semblante de Robben. Assim como nos instantes de
desventura, ele foi ao chão, mas dessa vez não foi pela culpa, e sim pela redenção.
Agora poderei responder com todas as letras: o Robben é um herói.
Otávio Camilo
Não sou muito fã desse cara não, particularmente falando!!!não acho um exemplo de jogador e nem o acho um craque. Não sou um cara de muita referência quando se trata de futebol europeu, mas acompanho algumas poucas coisas de lá.
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