quinta-feira, 30 de maio de 2013

A épica decisão e a redenção de um herói

Vede a sina de um solitário guerreiro, que caminhou por uma áspera jornada em busca de redenção.

  Antes de qualquer abordagem fabulosa, deixarei claro que não aceitarei que me venham com tolices de dizer que heróis não existem. Confesso que passei metade do dia imaginando uma palavra menos desgastada para definir os romanescos 90 minutos da decisão entre clubes alemães na tarde deste sábado, e, em especial, a atuação do jogador holandês Arjen Robben. Como definirei esse virtuoso atleta, devorado pelas inquebrantáveis reminiscências de um pênalti perdido e de uma falha no momento crucial de uma Copa do Mundo? A vítima de uma surda tristeza de vencido; um desespero impotente contra tudo e contra todos, por não lhe ter sido possível arrebatar aqueles torcedores que o apoiavam. Nos momentos mais importantes, o talento da sua perna canhota se mostrou inútil e vacilante. Podem me explicar que esse tipo de heroísmo é resultado de um mero acaso, ou uma fuga momentânea de um rótulo que deverá ser perpétuo. Pois quero que se danem as explicações! Para mim, o herói, como o ídolo, é aquele que vive sua vida até as últimas consequências, assim como o habilidoso atacante que, mesmo atormentado por pesarosas lembranças, possui a frieza necessária para ser o autor do gol decisivo do mais desejado dos títulos. Que nome devo dar a esse homem?  

Nesse instante, duas grandezas cruzavam-se na beligerante superfície de um palco feito em arco...


  O crepúsculo vinha deslizando do céu em uma magnificência tranquila e deslumbrante. O seu fulgor dourado incidia sobre as admiráveis colunas de um monumento imperial. Aquele templo, feito de emoções, sentimentos e aço, seria o lugar perfeito para uma batalha final entre bárbaros. Acomodados em seus assentos reais, os espectadores contorciam seus rostos pela tensão, as mãos permaneciam ligeiramente trêmulas e os olhos se esqueciam de piscar. O cenário tornava-se assustador, inquietante, com aquela exuberância brutal de vida, no meio daquela floresta de almas germânicas que crescia aos meus agitados sentidos.
   Uma faixa escarlate já se desenhava no horizonte, talvez em honraria ao vindouro triunfo de toda aquela chusma encarnada de selvagens que bradava incessantemente, num coro de elocuções articuladas, rápidas e ofegantes. No outro flanco do estádio, com toda aparência de indestrutibilidade, erguia-se a grande muralha amarela, uma massa descomunal e inextricável de indivíduos insanos. Era como uma invasão infrene de uma turba ressonante, uma loura onda de pessoas empilhadas, fervorosas, prontas para entoarem seus belicosos cânticos e aniquilarem seus inimigos. Era o tumulto de ferozes gritos de guerra. O ocaso repetia aquelas palavras mediante um sussurro persistente, parecendo crescer ameaçadoramente, como o primeiro sopro de uma batalha.
   Sorrisos e carrancas alternavam-se perante a suntuosidade clássica de Wembley, assim como os semblantes tempestuosos dos 22 combatentes que se enfileiravam sobre a virente planície varrida pelo vento. Uma singular e metafórica peleja entre clubes irmãos e compatriotas, proporcionada apenas pelo distópico mundo da mais radiante das nossas paixões, o futebol. Uma guerra que tem por objetivo supremo a alegria da vitória, acompanhada de hinos, aclamações, recompensas públicas e o glorioso ato de levantar aquele valioso objeto de metal, símbolo do merecimento. Aos derrotados, as lamúrias e a resignação; aos vencedores, as glórias. Essas foram dispostas no meio de um mar vermelho e ondulante. Desenrolava-se o cotejo campal...
                Os olhos dos bárbaros possuíam um esplendor espantoso. De ambos os lados avançavam as alas, movidas por metas distintas: o exercito bávaro, perturbado por recentes insucessos, negava categoricamente a possibilidade de um novo fracasso. Já os intrépidos do Vale do Huhr, renascidos prodigiosamente de um tempo calamitoso, desejavam se consolidar entre os poderosos do velho continente. Cominadores e engenhosos, pressionavam as linhas de defesa dos seus contendores, assustando-os com a sua velocidade e força ofensiva. O destino parecia favorecer aqueles que envergavam o amarelo e o preto, porém a noite seria pintada de outra cor. O Dortmund prostrou-se conformado.
                 Entre os soldados de uma das tropas, postava-se um magro soldado, de rosto pálido e olhos angustiados. Ele tinha uma expressão preocupada, e sua cabeça era tão nua como a palma da minha mão. Em sua fronte via-se a sombra de um sofrimento íntimo, e uma larga nuvem melancólica toldava a limpidez da sua visão de fera acossada. Obsedava-lhe o espírito, quando enegreciam em sua mente as tristes recordações de outrora. Um homem consciente de que cair em derrota ali seria falhar ao seu destino, sacrificar a existência inteira e condenar-se ao eterno suplício de um cativeiro repleto de humilhações. Ao longo da contenda, sob uma torrente turva e impetuosa, ele frustrava-se em tentativas que se sucediam, as mesmas circunstâncias que reavivavam o passado. Tal qual um súbito lampejo, ouve-se em toda a arena um grito muito alto, como de infinito alívio, rasgando o ar de euforia.
                 A guerra era finda, e todos perceberam que uma força de contenção, um desses segredos humanos que desafiam as probabilidades, tinha entrado em ação naquele gramado. Uma bola entra mansamente nas redes de um arqueiro que se mostrava insuperável, um gol que mais parecia um golpe mortal no coração do seu rival, a conquista de uma taça que insistia em escapar por entre os dedos... Os braços abertos para receber os afetos que foram negados. Não poderia haver um enredo mais dramático para o Bayern de Munique e para um dos seus campeões. Não podemos negar que o principal personagem dessa narrativa possui um cunho original. As vozes suplicantes e as queixas amarguradas converteram-se em regozijo. Nos últimos clarões do pôr do sol, o pranto orvalhou o plácido semblante de Robben. Assim como nos instantes de desventura, ele foi ao chão, mas dessa vez não foi pela culpa, e sim pela redenção. Agora poderei responder com todas as letras: o Robben é um herói.


Otávio Camilo

Um comentário:

  1. Não sou muito fã desse cara não, particularmente falando!!!não acho um exemplo de jogador e nem o acho um craque. Não sou um cara de muita referência quando se trata de futebol europeu, mas acompanho algumas poucas coisas de lá.

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